A Justiça de Brasília aceitou denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) e tornou réu o delegado da Polícia Federal Bruno Calandrini. O delegado responde por prevaricação, tentativa de obter provas de maneira ilícita e de proceder à persecução penal sem justa causa fundamentada.
A decisão, de dezembro, é da juíza federal substituta Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. A denúncia foi apresentada em outubro pelo procurador Carlos Henrique Martins Lima.
Em maio de 2022, o delegado Bruno Calandrini pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a realização de busca e apreensão em endereços do então procurador-geral da República, Augusto Aras, e do então ministro da Economia, Paulo Guedes.
A solicitação foi feita no âmbito de um inquérito que investiga o senador Renan Calheiros (MDB-AL) por supostos desvios no fundo de pensão dos Correios. Calandrini pediu que Guedes, que não era investigado, fosse ouvido a respeito da apuração.
Um dos advogados de Guedes procurou Aras para tentar evitar que o ministro depusesse. O pedido do advogado foi divulgado por Aras em seu status no WhatsApp em um ato falho.
Com base na conversa vazada, o delegado pediu que o celular de Aras fosse periciado e que fossem cumpridos mandados de busca e apreensão contra ele. O ministro Luís Roberto Barroso, responsável pela investigação, rejeitou os pedidos do delegado.
A denúncia do MPF narra uma série de irregularidades na investigação conduzida por Calandrini, que, à época, fazia parte da Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores.
De acordo com o procurador Carlos Henrique Martins Lima, a intimação de Guedes para prestar depoimento na PF não seguiu as formalidades legais. A lei prevê que a oitiva deverá ocorrer em local, dia e horário previamente agendados entre o suspeito e o juiz do caso, não no horário determinado pelo delegado.
O procurador afirma, entre outras coisas, que Calandrini realizou pedidos indefinidos de prorrogação de prazo para a permanência dos autos na esfera policial sem justificativa.
A denúncia também mostra que o delegado solicitou por busca e apreensão sem antes realizar diligências menos invasivas preliminares. O procurador sustenta ainda que o delegado deveria ter acionado o Conselho Superior do MPF antes de apresentar um pedido de busca e apreensão ilícito contra Aras. Calandrini acionou diretamente o STF com pedido expresso de não concessão de vista prévia ao MPF.
“Assim é que, o ora denunciado, no contexto das várias ilegalidades que praticava, tocando investigação à total margem da lei, dolosamente, visando a satisfação de seu interesse pessoal em promover a ilegal oitiva de Paulo Guedes, sem qualquer justa causa, procedeu à persecução ilegal do PGR, visando a busca e apreensão de seu aparelho celular, para evitar assim que eventual oitiva do Ministro de Estado fosse dispensada, mesmo a despeito dela ter sido determinada ilegalmente e existir motivo legal para a sua dispensa”, escreve o procurador na denúncia.
O procurador ressalta que a realização de audiência entre advogado e procurador-geral não é ilegal e, por isso, não confere justa causa à investigação. “Além do que, como se demonstrou, não visava tratar de ato ilegal, mesmo porque a própria oitiva em si do então ministro, da forma como determinada pelo ora denunciado, era ilegal”, diz.
A denúncia narra que a própria Divisão de Correições Judiciárias e Inspeções da PF confirmou que a tentativa de oitiva de Paulo Guedes se deu de forma ilegal e sem observar que o depoimento deveria ser previamente agendado e horários ajustados entre o então ministro e o STF.
“Foram sucessivas e manifestas as ilegalidades cometidas pelo ora denunciado [delegado Bruno Calandrini], não havendo que se falar de desconhecimento da Lei, mas de atos investigativos dolosos à margem da lei”, diz a denúncia.
O procurador escreve na denúncia que, para além das diversas e sucessivas ilegalidades, o delegado da PF foi alertado por seu chefe de que a marcação de audiência entre o procurador-geral e o advogado de Guedes não se tratava de prática ilícita e que a intimação do então ministro deveria ter seguido o trâmite legal.
“Mesmo assim, o ora denunciado agiu em abuso de autoridade, investigando o PGR sem autorização judicial e sem respeitar as prerrogativas (…), visando satisfazer seus interesses pessoais de investigar e ouvir Paulo Guedes ilegalmente”, afirmou o procurador.
Em nota, os advogados Ciro Chagas e André Hespanhol afirmam que a decisão que tornou o Calandrini réu é resquício de perseguição política contra o delegado e não possui “suporte técnico processual penal”.
A defesa lembra que o procedimento teve seu arquivamento recomendado pelo delegado condutor da investigação, que asseverou não existir tipicidade diante das supostas condutas.
Os advogados ressaltam que o ato de recebimento da denúncia não tem qualquer condão frente ao mérito da acusação, sendo uma questão de formalidade processual.
Por fim, a defesa afirma que a desconexão, inveracidade e atecnia das acusações serão demonstradas no decorrer do processo.
“Esta defesa e seu representado têm tranquilidade de que provarão inocência frente essas injustas imputações, reforçando os mais de 20 anos de serviços prestados ao Estado pelo Delegado de Polícia Federal, que jamais se omitiu ou se desviou de seu propósito”, conclui a nota.
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