Argumentos que vão de árbitro de vídeo ao conhecimento das pedras foram utilizados por desembargadores para defender ou rejeitar a cassação do mandato do senador Sergio Moro (União Brasl-PR).
O julgamento no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) entrará em sua terceira sessão na segunda-feira (8), faltando ainda cinco votos para a decisão ser tomada.
Moro é acusado de abuso de poder econômico na eleição de 2022.
O julgamento está empatado em 1 a 1. O relator do caso, desembargador, Luciano Carrasco Falavinha, foi contrário à cassação. Já o desembargador José Rodrigo Sade foi a favor da cassação.
“Até as pedras sabem”
Ao justificar sua decisão contrária à cassação, Falavinha disse que até as pedras sabem que Moro “não precisaria realizar pré-campanha para tornar seu nome popular”.
A popularidade de Moro, para o relator do caso, seria consequência da divulgação midiática da Operação Lava Jato, que teve o senador à frente dos julgamentos enquanto era juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Os anos em que a operação foi realizada, com as prisões e graves reflexos políticos que trouxe, deram grande visibilidade ao nome do investigado Sergio Moro
Luciano Carrasco Falavinha
O desembargador relembrou alguns casos, como a condução coercitiva contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinada por Moro e, posteriormente, sua prisão.
O boneco de Moro feito para o Carnaval de Olinda, em Pernambuco, também é um dos pontos citados para sua popularidade.
“Estes indicativos, coletados em rápida pesquisa, mostram a grande exposição midiática do investigado, para exemplificar que neste caso a propaganda antecipada deveria ser deliberada e direcionada ao Senado no Paraná, o que não ocorreu, vale a pena repetir”, justifica Falavinha.
Celta de Boulos, tiro em ônibus de Lula, facada em Bolsonaro e PCC
O veículo Celta do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), o tiro num ônibus de campanha do presidente Lula, a facada no ex-presidente Jair Bolsonaro, e ameaças do Primeiro Comando da Capital (PCC) foram relembradas por Falavinha.
Os exemplos foram citados quando o desembargador analisava os gastos com segurança particular de Moro durante sua pré-campanha à Presidência da República pelo Podemos.
Em 2021, o ex-partido de Moro gastou R$ 79,5 mil. Já em 2022, foram R$ 160 mil. Falavinha disse desconhecer que a Lei Eleitoral não prevê o pagamento de despesa com segurança particular como verba autorizada pelo fundo partidário.
A questão teria sido uma das exigências de Moro para concretizar sua filiação ao Podemos. E que é fato público e notório que o ex-juiz e sua família eram alvos de ameaças de facções criminosas, como o PCC, prossegue o desembargador.
“Nesse sentido, é compreensível a necessidade de que se socorresse de serviços de segurança pessoal e escolta armada. Tanto que, após eleito, com o acirramento das ameaças, houve a necessidade de o Senado, por sua Polícia Legislativa, passar a realizar a escolta do agora senador da República”, explicou.
Em sua opinião, seria de se perguntar o que aconteceria caso a segurança não fosse contratada. E utilizou o exemplo de Bolsonaro, que foi esfaqueado durante a eleição de 2018. “Agressão a candidato é inadmissível, cujas consequências seriam inestimáveis se isto tivesse ocorrido”, ponderou.
Foi citado ainda quando o ônibus da caravana de Lula foi atingido por tiros no caminho entre as cidades paranaenses de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, também em 2018. E a opção de Boulos, que trocou o Celta por um carro blindado para realizar sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo em fevereiro deste ano após ameaças.
Resolução do PSOL sobre segurança para candidatas femininas e trans
Na mesma linha sobre segurança, Falavinha citou o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das contas do PSOL de 2018.
A Corte ressaltou, na ocasião, que a contratação de serviço para garantir a segurança de candidatas femininas e de candidatas trans “é uma questão importante que deve e será tratada com rigor em decorrência de diversas ameaças sofridas por elas no período eleitoral”.
A partir disso, o relator diz que há razões suficientes para que as despesas com segurança particular, motorista e escolta armadas financiadas pelos partidos não fossem contabilizadas nos gastos da pré-campanha de Moro.
Fair play financeiro e VAR
O desembargador José Rodrigo Sade explicou que, a fim de cumprir a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de utilizar linguagem simples em julgamentos para facilitar a compreensão das pessoas, usou expressões do futebol para falar sobre seus argumentos no caso.
De acordo com Sade, ao menos duas regras de competições esportivas estão presentes nas eleições:
-o fair play financeiro, que seria um teto de investimentos para campanhas e times,
-e o VAR, árbitro assistente de vídeo, que pode revisar ou confirmar uma decisão tomada pelo juiz que está no campo.
O PL e a federação do PT, que fizeram o pedido de cassação à Justiça, dizem que a chapa de Moro teria desrespeitado o fair play financeiro. Já o julgamento no TRE-PR seria “uma espécie de VAR das eleições” para o magistrado.
O candidato investigado fez sua campanha, ganhou, ele e sua torcida comemoram. Mas o VAR foi chamado e estamos nós agora avaliando se esse gol foi válido
José Rodrigo Sade
Analisar como um filme e não como uma fotografia
Sade afirmou que não estava julgando a atuação de Moro como juiz federal, e que se debruçou “apenas e tão somente nas provas acerca de seus gastos eleitorais”.
O desembargador parafraseou o então ministro do TSE Benedito Gonçalves durante o julgamento de ilegibilidade de Bolsonaro em 2023, quando disse ser importante analisar as provas em contexto, como a cena de um filme e não como uma fotografia na parede.
“É com esse espírito que passo a expor os motivos que me levaram à conclusão a que cheguei”, exemplificou Sade.
Não é possível apagar os caminhos
Na avaliação de Sade, não é possível apagar os caminhos percorridos por Moro durante sua pré-campanha presidencial, que ele e o Podemos anunciaram no final de 2021, após sua escolha em disputar o Senado no Paraná, já no ano eleitoral.
Olhando as provas como um filme e não meras fotografias, o desembargador explica que, enquanto juiz, Moro jamais teve seu nome ligado a nenhum cargo político, muito menos eletivo. Sua estreia política aconteceu quando assumiu o cargo de ministro da Justiça de Bolsonaro, em 2019.
Ao sair do Poder Executivo, era preciso, então, criar sua versão em busca de votos, passando doravante a circular nacional e internacionalmente não mais como juiz, mas como alguém que em breve se lançaria a um cargo eletivo
José Rodrigo Sade
A partir desse momento, a população, que antes o via como um juiz famoso, passou a enxergá-lo como um político em busca de votos.
Com isso, Moro passou a cumprir agendas internacionais e, no Brasil, como pré-candidato à Presidência, acabou “gastando ou investindo muito mais recursos do que os demais candidatos que disputaram com ele a vaga única de senador”, analisa Sade.
A questão teria acontecido porque, até determinado ponto de sua jornada eleitoral, seus gastos tinham como base o teto da campanha presidencial, o que “implicou num completo desiquilíbrio do pleito em questão”, prossegue o desembargador.
Redes sociais e imprensa impedem limites geográficos
As redes sociais e o impacto das notícias das mídias tradicionais na internet mudaram a forma como é feita a política. Para Sade, antigamente, a repercussão de uma campanha ficava direcionada apenas para o estado em que era feita. Entretanto, agora, não “pode mais sequer falar em limites geográficos”.
Os gastos realizados durante uma pré-campanha ao Palácio do Planalto são feitos visando atingir o eleitorado do país inteiro. Já para o Senado, concentra os esforços apenas dentro do estado.
Com essa definição, Sade cita que os valores que foram empregados em vários estados diferentes do Paraná “não têm, em princípio, a mesma aptidão para produzir resultados” que vão influenciar os eleitores que estavam diretamente envolvidos na eleição para senador. “Pode não ter a mesma aptidão, mas alguma carga de influência é claro que existe”, diz.
O argumento utilizado pela defesa de que um ato de pré-campanha realizado em São Paulo não tem relevância e impacto nos leitores do Paraná é, na opinião de Sade, “ignorar todo esforço que Justiça Eleitoral tem feito para conter os notórios abusos cometidos no ambiente digital”.
Imaginar que os atos só produzam efeitos concretos na localidade em que realizados fisicamente contraria a lógica da sociedade da informação, na qual tudo está disponível o tempo todo para todos e bons profissionais de mídia conseguem multiplicar os resultados de uma ação concreta com o uso de redes sociais e outras ferramentas de disseminação de conteúdo
José Rodrigo Sade