O Quênia possui a majestosa Reserva Nacional Maasai Mara. A reputação da exuberante Cratera de Ngorongoro repleta de fauna, na Tanzânia, é inquestionável. Os vulcões de Virunga, em Ruanda, se tornaram referência para encontros únicos com gorilas-das-montanhas. Mais ao sul, Botswana, Namíbia e África do Sul são paradas obrigatórias para quem deseja vivenciar o melhor da vida selvagem da África.
No entanto, há um país que facilmente passa despercebido quando se trata de experimentar a verdadeira natureza selvagem e se aproximar da vida natural: Uganda.
Essa joia da África Oriental oferece tudo o que apaixonados por vida selvagem pode desejar: as planícies do Parque Nacional Queen Elizabeth, lar de leões que escalam árvores e leopardos; o Canal Kazinga, com seus hipopótamos, elefantes, crocodilos e águias-pescadoras deslumbrantes; e a Floresta Impenetrável de Bwindi.
Em resumo, é um destino subestimado, esperando para ser explorado — especialmente, por uma experiência turística marcante que custa US$ 800 (R$ 4,4 mil) por hora, mas que, segundo dizem, vale cada centavo.
Esse valor elevado faz parte de uma tendência de experiências de alto custo em Uganda que, embora inacessíveis para muitos, podem ajudar a inserir o país no turismo sustentável, em um momento em que muitos destinos estão sendo sobrecarregados por visitantes.
Na Floresta Impenetrável de Bwindi, lar da maior população de gorilas-das-montanhas do mundo, com mais de 500 indivíduos vagando pelas densas matas, o custo para que não residentes estrangeiros façam uma caminhada de uma hora para conhecer um grupo de gorilas habituados é de US$ 800 (R$ 4,4 mil).
Essas expedições são lideradas por especialistas da Autoridade de Vida Selvagem de Uganda, com pequenos grupos de até oito pessoas designados para visitar um dos 18 grupos habituados diariamente.
Por US$ 1.500 (R$ 8.384), os visitantes podem participar do processo de habituação. Aqueles com resfriado não podem participar, devido à preocupação em transmitir doenças para esses incríveis animais, que compartilham 98% do DNA com os humanos.
Embora seja possível viajar de forma relativamente econômica antes e depois dessa experiência, muitos visitantes incluem essa atividade em uma aventura de luxo. Mais uma vez, o preço elevado geralmente resulta em investimentos que apoiam o meio ambiente em risco.
Localização incomparável em Uganda
A Volcanoes Safaris atua na região há mais de 25 anos e, em julho de 2024, abriu seu quarto lodge de luxo em Uganda. O Kibale Lodge está em uma localização privilegiada, com as Montanhas Rwenzori a oeste e o Canal Kazinga ao sul.
Com apenas oito quartos, ou bandas, ele se posiciona no topo do ecoturismo do país, com tarifas a partir de US$ 1200 (R$ 6695) por pessoa por noite. No entanto, a Volcanoes faz questão de destacar como aproveita o conhecimento e as habilidades locais para criar e sustentar seus negócios.
Em Kibale, a empresa está trabalhando com o Instituto Jane Goodall para organizar programas de alcance comunitário, com foco especial na formação de uma nova geração de mulheres líderes em conservação. Durante a construção do lodge, o aprendizado com a comunidade local foi essencial, afirma Praveen Moman, fundador da Volcanoes.
“Nós trabalhamos no estilo ‘morador descalço’, sentando juntos e desenvolvendo abordagens locais práticas para a estética, produzindo tudo localmente, independentemente da origem do design”, conta.
“A equipe interna de construção da Volcanoes é composta por engenheiros, fundis, decoradores e estofadores que vivem nas comunidades ao redor dos lodges”, acrescenta Kevin James, diretor de operações da Volcanoes Safaris.
Ele explica que o chefe de construção da empresa, Cyprien Serugero, nasceu perto do Virunga Lodge, do outro lado da fronteira, em Ruanda. Ele participou de todas as etapas da construção desse lodge e agora garante que as pessoas que vivem próximas aos empreendimentos da empresa, em Uganda, também tenham essa mesma oportunidade.
James diz que a empresa emprega mais de 200 funcionários em tempo integral e 300 trabalhadores eventuais de Uganda, Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo. Cerca de 85% dos que trabalham diretamente nos lodges vêm das comunidades ao redor.
Um futuro melhor
Apesar do sucesso desse trabalho, um dos maiores desafios do turismo sustentável em Uganda gira em torno dos “refugiados da conservação”. Os Batwa foram expulsos dos Parques Nacionais de Gahinga e Bwindi Impenetrável, em 1991, ano de sua criação.
Enquanto as populações de gorilas nessas áreas se recuperaram, esses caçadores-coletores, uma das tribos indígenas mais antigas de todo o continente, ficaram deslocados dentro do próprio país. Nenhuma compensação foi paga, e anos de ostracismo se seguiram.
Não habituados aos métodos agrícolas tradicionais, enfrentaram perseguições e discriminação constantemente. “Acreditamos que o foco da conservação e do turismo deve estar nas comunidades”, afirma James.
“Os locais só apoiarão o turismo e a conservação se receberem benefícios tangíveis. Elas precisam de comida na mesa, educação para a próxima geração e progresso em suas vidas. Se fizerem parte da cadeia do ecoturismo, da conservação e compartilharem de seu sucesso, terão um incentivo para proteger a vida selvagem e os parques.”
No Gahinga Lodge, da Volcanoes, existe um assentamento permanente de 13 acres para os Batwa, onde vivem 100 pessoas de 18 famílias. Há terra para cultivo, um centro vocacional dedicado ao treinamento e à transmissão de conhecimentos ancestrais para a próxima geração, a oportunidade para os hóspedes conhecerem os anciãos e líderes tribais e aprenderem diretamente sobre seu modo de vida.
É uma experiência poderosa, que permanece na memória muito tempo após a visita. “A floresta é fortemente vigiada, sabemos que poderíamos ser baleados se fossemos até lá“, disse o líder tribal Batwa Safari Monday, falando em seu dialeto nativo Rufumbira por meio de um intérprete, em 2019. “Mas eu entendo as restrições. Não penso nisso.”
Monday abriu os braços e sorriu ao contemplar o que agora era dele e de seu povo. Um lugar para chamar de lar após quatro anos vivendo sob abrigos improvisados. Não é o mesmo que estar em seu habitat nativo, mas é um passo importante para equilibrar as coisas e criar um caminho para um futuro melhor.
Qualidade, não quantidade
Não há como negar que o modelo de turismo de alto preço e alta qualidade tem o potencial de ser bem-sucedido quando analisado sob a ótica da sustentabilidade, pelo menos no que diz respeito à natureza. Isso é evidente nos números dos gorilas da montanha.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a população era de mais de 1.000 indivíduos em 2018, quando o último censo foi realizado, um aumento em relação aos 680 de 2008. Acredita-se que esse crescimento seja resultado direto das caras e rigorosamente controladas caminhadas com gorilas.
Embora seja caro, o dinheiro arrecadado com essas caminhadas permite que a UWA e outras autoridades invistam em uma maior proteção para os gorilas da montanha contra caçadores ilegais e na prevenção da destruição de seus habitats.
Estar a poucos metros de uma mãe cuidando de seu filhote ou de um macho dominante observando o horizonte é, sem dúvida, uma das experiências mais marcantes que um viajante pode ter – e pagar por isso faz muito sentido.
Embora esses custos possam parecer altos, a alternativa é algo que os operadores não podem considerar, especialmente quando o meio ambiente é tão frágil e a necessidade de equilibrar as necessidades das comunidades locais é tão vital.
De acordo com a operadora britânica Responsible Travel, cobrar preços elevados e proteger essa experiência de maneira tão rigorosa é fundamental.
“No caso dos gorilas da montanha, o baixo número de turistas e as fortes restrições não são apenas uma estratégia de marketing são essenciais para evitar que os gorilas fiquem estressados ou contraiam doenças”, diz a empresa.
Além disso, as pessoas locais e o meio ambiente não verão benefícios em um modelo de turismo de massa, que já causou tantos problemas em outras partes do planeta, especialmente em ecossistemas frágeis como a Grande Barreira de Corais da Austrália e a Baía de Ha Long, no Vietnã.
“Os parques nacionais de grandes primatas de Uganda e Ruanda são habitats naturais pequenos e estão sob enorme pressão”, diz Kevin James.
“Há uma pressão populacional crescente ao redor dos parques, que deve dobrar nos próximos 25 anos. As pessoas locais precisam de terras para viver e de onde possam tirar seu sustento. Se o desenvolvimento não for controlado ao redor dos parques nacionais, a vida selvagem pode ser sufocada.”
Apesar disso, ele afirma que o turismo, especialmente o sustentável, deve fazer parte da solução. “A Volcanoes percebeu que, sem o turismo, os animais não têm valor econômico, e, portanto, não há incentivo para proteger seu futuro. O turismo sensível e controlado é crucial. No entanto, se não for controlado, pode acabar colocando pressão excessiva sobre os grandes primatas, por meio de doenças e estresse, o que não será favorável à sua sobrevivência.”
“É imperativo que os protocolos turísticos únicos e as diretrizes de melhores práticas da IUCN sejam seguidos para garantir um futuro positivo para os grandes primatas na Albertine Rift. É um equilíbrio muito delicado.”
Soluções locais
De acordo com a EU Africa Rise, uma entidade financiada pela União Europeia que apoia a sustentabilidade na África Oriental, o turismo representava 5,9% do PIB de Uganda em 2019, com uma crescente conscientização sobre a necessidade de certificação sustentável, algo que pode ser caro para pequenas operadoras e startups.
“Embora Uganda enfrente desafios internacionais com relação ao reconhecimento de sua marca e imagem (especialmente se comparada a seus pares regionais, como Quênia e Tanzânia), ela recebe avaliações muito positivas dos viajantes que visitam o país”, afirma a EU Africa Rise, em um relatório de março de 2024, intitulado “Rumo a uma economia de turismo sustentável em Uganda”.
Apesar disso, há um movimento crescente em Uganda em relação à criação de uma experiência de alta qualidade para os viajantes. A ideia é que seja, fundamentalmente, sustentável em termos de desenvolvimento e emprego – na qual os locais se sintam parte desse trabalho.
De acordo com o Relatório Anual da Indústria de 2023 da Adventure Travel Trade Association, citado pela EU Africa Rise, 68% dos operadores pesquisados obtiveram ou tentavam obter certificação sustentável globalmente.
No entanto, os Critérios Globais de Turismo Sustentável, considerados o padrão ouro de sustentabilidade para operadores, juntamente com o Travelife, uma plataforma de certificação semelhante, são vistos como muito caros para empresas de turismo em Uganda.
A EU Africa Rise afirma ser necessário encontrar uma maneira mais acessível para as empresas ugandesas conseguirem esse reconhecimento – o que, por sua vez, permitiria que se posicionassem como uma das melhores do mundo.
O trabalho importante que Volcanoes, Responsible Travel e EU Africa Rise realizam significa que o turismo sustentável pode crescer e prosperar em Uganda. Para isso, é necessário ser baseado em um modelo que prioriza viagens caras que financiam pesquisas e comunidades para evitar que esses lugares sejam sobrecarregados e potencialmente perdidos para sempre.