Em julho, durante o Congresso Botânico Internacional, realizado em Madri, cientistas decidiram alterar o nome científico de cerca de 200 espécies de plantas. Eles substituíram caffra por affra por ser um termo “pejorativo”. A justificativa oficial foi corrigir um erro de grafia. No entanto, a maioria dos participantes sabia que caffra não era um erro.
De acordo com o jornal norte-americano The New York Times, por séculos os cientistas utilizaram caffra como nomes científicos de plantas africanas. Contudo, o termo é uma versão latinizada de kaffir, um insulto racial ofensivo na África do Sul. Botânicos locais se opuseram ao uso desse termo, que pode resultar em multa ou prisão no país.
“Devemos a nós mesmos fazer as pazes, reconhecendo os erros que nossas gerações anteriores cometeram”, disse Nigel Barker, botânico da Universidade de Pretória, na África do Sul.
O cientista, que cresceu na África do Sul durante o apartheid, enfatizou que o país já abandonou muitos nomes oficiais da era.
A decisão de mudar o nome de Erythrina caffra para Erythrina affra é um exemplo dessa alteração. Debates semelhantes ocorrem em outras áreas da ciência, como na entomologia, que abandonaram termos como “mariposa cigana” e “formiga cigana”.
Segundo o New York Times, alguns cientistas argumentam que nomes que homenageiam colonizadores são ofensivos. Em 2023, a Sociedade Ornitológica Americana decidiu alterar os nomes comuns de aves que homenageavam tais figuras. Recentemente, ativistas da organização não governamental NYC Audubon renomearam o órgão para NYC Bird Alliance.
Cientistas evitam mudar nomes de plantas por termo “pejorativo”
A mudança para affra é significativa, pois envolve a alteração de nomes científicos oficiais de centenas de espécies. Normalmente, cientistas evitam mudanças na nomenclatura científica para manter a estabilidade na comunicação global. Geralmente, eles só alteram nomes por razões genéticas.
Preocupações semelhantes surgiram no ano passado com espécies nomeadas em homenagem a figuras como Adolf Hitler e Benito Mussolini. A Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica recusou-se a alterar esses nomes. Dirk Albach, editor-chefe da revista Taxon, disse que a mudança de caffra foi a primeira vez que a comunidade botânica rejeitou um nome por razões políticas, não científicas.
A votação para mudar caffra foi de 351 a 205 votos. Críticos temem que isso possa criar um precedente desestabilizador. Sergei Mosyakin, presidente da Sociedade Botânica Ucraniana, mencionou que milhares de nomes de plantas podem ser considerados ofensivos. Exemplos incluem niger e termos derivados de Hottentot.
Caso isolado
Fred Barrie, do Museu Field em Chicago, reconhece a importância da estabilidade na nomenclatura botânica, mas acredita que o caso caffra é isolado. Ele não espera que cientistas corram para mudar outros nomes em breve.
Timothy Hammer, botânico da Universidade de Adelaide, na Austrália, planeja pressionar para que os cientistas mudem nomes que considera ofensivos no próximo congresso botânico. Ele argumenta que manter nomes “pejorativos” é insensível.
Hammer minimizou as preocupações sobre confusão na nomenclatura e afirmou que muitas mudanças já ocorrem por razões científicas. Para ele, as alterações para remover nomes que chamou de “culturalmente insensíveis” seriam poucas, em comparação com as mudanças promovidas por outros motivos.
Nigel Barker acredita que o movimento para eliminar nomes científicos considerados ofensivos ganhará força entre cientistas de países colonizados.