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como um grupo tomou conta de um país

Quando o Líbano conquistou sua independência da França em 1941, o objetivo era criar uma nação com uma identidade multicultural. No entanto, o país logo se viu tomado por rivalidades sectárias e influências externas, que transformaram a região em um palco de conflitos violentos.

A partir da década de 1970, o radicalismo islâmico, impulsionado pela chegada de refugiados palestinos depois do Setembro Negro na Jordânia, intensificou ainda mais as tensões. Muitos se uniram a outros que chegaram depois da fundação de Israel, em 1948.

Ele se referia ao conflito contínuo entre Israel e Hezbollah, que realizou mais de 9 mil lançamentos de mísseis contra o território israelense desde os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. A estratégia do Hezbollah, xiita, foi a de se aliar ao Hamas, sunita, para enfraquecer Israel, em aliança com suporte do Irã.

Enquanto o Líbano enfrenta corrupção endêmica e facções políticas em guerra, o Hezbollah continua a ser uma força dominante no cenário político e militar do país. Muitos libaneses culpam Israel pelas crises, embora as causas reais envolvam uma mistura de fracassos internos e influência iraniana.

A visão israelense é a de que o Hezbollah, por meio de seu ex-líder Hassan Nasrallah, passou a alimentar a narrativa de que Israel é a principal ameaça em meio à crise econômica e política que sufoca o Líbano.

“Nasrallah adora falar muito sobre Israel, sem mencionar os danos causados ​​ao Líbano como resultado de suas aventuras, ou falar sobre a economia em colapso ou chamar a atenção para o sul esvaziado de seu povo, ou sobre os funerais de seus membros, um após o outro, nas aldeias do sul do Líbano que foram mortos por uma guerra que não tem nada a ver com o Líbano”, afirmou o porta-voz das FDI para a mídia árabe, Avichay Adraee, sobre o líder que morreu em setembro.

Naquele mês, Israel deu início a uma intensa reação aos ataques. Transferiu parte de seu foco de combate contra o Hamas para o Hezbollah na fronteira norte. O objetivo era neutralizar o grupo.

Os interesses do Líbano, mais uma vez, foram deixados de lado. “O Líbano já é um Estado fracassado, mas sempre há uma maneira de salvá-lo”, resumiu Siniora.

Essa é a terceira incursão prolongada de Israel no Líbano desde 1982. As outras foram em 2006 e a atual. Todas com o objetivo, de acordo com o governo israelense, de desmantelar infraestruturas terroristas, as duas últimas sob controle do Hezbollah, que visa a destruição do Estado de Israel.

Hezbollah na guerra civil do Líbano

A entrada do Hezbollah no conflito libanês mudou o cenário da guerra, que durou entre 1975 e 1990. O grupo terrorista também tinha o apoio da Síria. A Síria viu o grupo como um interessante instrumento para também ela ganhar influência no Líbano, algo que não vinha conseguindo efetivar durante a guerra civil.

Uma das primeiras iniciativas do Hezbollah foi rejeitar o cessar-fogo assinado pelas facções que participavam da guerra: a milícia drusa, a também xiita Amal e a Falange Cristã, aliada de Israel, que recuara as tropas para uma faixa na fronteira. O desejo da guerra já se fazia presente.

Conflitos políticos

Desde sua criação, em 1982, o Hezbollah infiltrou-se profundamente nas instituições políticas libanesas. Chegou a controlar ministérios a partir de 2008. No entanto, o domínio sírio sobre o Líbano, facilitado pelo Hezbollah, manteve o país preso em crises sucessivas.

A morte do primeiro-ministro Rafiq Hariri em 2005, atribuída à Síria, marcou outro ponto de virada, levando à retirada das tropas sírias, depois de pressão internacional.

Isso, no entanto, não enfraqueceu o Hezbollah. O grupo continuou a exercer controle sobre o Líbano, com apoio da Síria e do Irã, alimentando tensões e conflitos internos.

O Hezbollah comanda a coalizão política 8 de Março (M8), uma aliança entre xiitas e cristãos apoiada por Síria e Irã. O bloco oposto, a coalizão 14 de Março, é apoiado por Estados Unidos e Arábia Saudita.

A M8 foi a coalizão dominante no Líbano com o governo chefiado pelo primeiro-ministro Najib Mikati de junho de 2011 a março de 2013. Mikati retornou e é o atual primeiro-ministro do país. Numa prova desta instabilidade, desde 2022 o Líbano está sem presidente porque, dividido, o Parlamento não consegue eleger alguém para o cargo.

Siniora afirma que o Hezbollah “sequestrou” o Líbano, impedindo que o governo libanês exerça autoridade plena.

“Não se pode governar um país quando existem dois Estados: o Estado do Hezbollah, que age por meio de sua força, e o verdadeiro Estado do Líbano, cuja autoridade foi diminuída”, diz ele.

Desde a sua fundação, o Hezbollah foi apoiado pelo Irã e pela Síria como uma ferramenta para atacar Israel.

“O Hezbollah surgiu baseado na presença israelense no sul do Líbano, ainda que em um primeiro momento os xiitas tenham saudado a entrada israelense para libertá-los dos palestinos”, afirma a Oeste o professor de Relações Internacionais, Samuel Feldberg, da Universidade de São Paulo (USP).

“Contudo, pouco depois da revolução iraniana (1979), o surgimento do Hezbollah já era parte da exportação desta revolução para áreas de maioria xiita”.

Durante os anos 1980, o Exército israelense havia se envolvido na guerra civil libanesa para combater a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que praticava, conforme as FDI, um terrorismo laico, não vinculado ao islã. Mas, com a ascensão do Hezbollah, o terrorismo religioso tornou-se a nova face da resistência.

Ao longo dos anos, o Hezbollah se radicalizou ainda mais com o apoio do Irã, que lhe forneceu financiamento, treinamento e armamentos. O grupo também é financiado pela diáspora libanesa e por atividades ilegais, como o tráfico de drogas, segundo a Drug Enforcement Administration (DEA) dos Estados Unidos. O Hezbollah nega essas acusações, chamando-as de propaganda.

Drones e mísseis

Apesar da crise econômica que assola o Líbano, o Hezbollah vinha mantendo um arsenal maior que o do próprio exército libanês, segundo as FDI. O grupo se tornou um representante popular, ao atuar em áreas como saúde, educação e reconstrução.

Mas sua presença também contribuiu com a deterioração econômica do país. O Hezbollah desvia recursos para suas atividades militares e afasta investimentos estrangeiros devido à sua ligação com o Irã, diz o exército israelense.

Nas últimas semanas, a organização sofreu duras derrotas. Hassan Nasrallah, líder do grupo desde 1992, foi morto em um ataque aéreo israelense em setembro de 2024. Ele cometeu um erro fatal ao acreditar que Israel não expandiria a guerra contra o Hezbollah enquanto o Hamas mantivesse reféns israelenses em Gaza.

A inteligência israelense, abalada pela desatenção nos ataques de 7 de outubro, desenvolveu uma estratégia que confundiu os líderes do Hezbollah, levando à morte de Nasrallah e de outros líderes importantes.

A guerra contra o Hezbollah enfraqueceu significativamente sua capacidade militar. As FDI informaram que, até 21 de outubro de 2024, cerca de 70% do arsenal de foguetes do Hezbollah havia sido destruído e 2 mil combatentes eliminados.

Mesmo assim, o grupo continua a realizar ataques com drones e mísseis, representando uma ameaça persistente para Israel.

“Existem dois cenários: um é a presença e a militarização mais forte e crescente do Hezbollah, e o outro é a intervenção israelense da guerra dos anos 1980 e depois uma nova intervenção em 2006 e a atual, que visa a acabar com a atuação do grupo”, destaca, a Oeste, Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM.

Carga histórica de conflitos

O Hezbollah, ao longo de suas décadas de atuação, evoluiu de uma milícia para uma organização político-militar complexa. Sob a liderança de Nasrallah, o grupo aumentou seu arsenal e consolidou sua influência no Líbano.

Com um discurso contraditório, nega atacar civis, mas foi, segundo a Justiça da Argentina, o executor do atentado em Buenos Aires, em 1994. A própria lógica de Nasrallah tinha uma origem distorcida, quando ele dizia que qualquer israelense e judeu é um alvo militar, por compor a população de um país, segundo ele, ilegítmo.

“Nasrallah aumentou cinicamente sua retórica pró-palestina e anti-Israel para atrair palestinos e seus simpatizantes para seu lado”, afirma o professor Khalaf Ahmad Al Habtoor, no portal do Middle East Policy Council, sobre como Nasrallah influenciou nas diretrizes do Hezbollah.

Habtoor afirma que não bastou ao grupo “transformar o Líbano em um Estado vassalo iraniano, usando a pretensão de colocar os interesses libaneses em primeiro lugar.” Segundo ele, foi o Hezbollah quem provocou a guerra com Israel e voltou “suas armas contra seus compatriotas e arrastou seu país para o conflito sírio [iniciado em 2011].”

Apesar de sua aceitação política local, a organização minou a estabilidade regional, por atrair influências prejudiciais ao país, segundo Siniora. “Por todos os meios, a presença do Irã tem estragado o país”, afirma o ex-primeiro-ministro, que também critica a maneira pesada com que Israel tem reagido.

“O Irã por meio do Hezbollah e outros, nos levou a esta situação. O Líbano não pode se dar ao luxo de deixar o Irã continuar a se intrometer, não apenas diretamente, mas por meio de seus tentáculos na Síria, Iraque, Iêmen e além.”

O atual Líbano se mantém como cenário de diversos conflitos: bombardeio, colapso econômico e mais de um milhão de cidadãos deslocados.

A morte de Nasrallah e os sucessos militares de Israel podem sinalizar o fim de uma era, mas o futuro do Líbano permanece incerto. O Hezbollah ainda representa uma ameaça significativa. Para Israel e para o próprio equilíbrio do Líbano.

Via Revista Oeste

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