A prisão do miliciano mais procurado do Rio, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, coloca um ponto de interrogação e pode mudar o jogo de forças na guerra entre grupos paramilitares que há mais de dois anos deixa um rastro de sangue e impacta a vida de milhões de moradores da Região Metropolitana fluminense. O chefe da maior milícia do Rio se entregou à Polícia Federal (PF) neste domingo, enquanto sua quadrilha enfrenta o momento de maior fragilidade de sua história, num processo de fragmentação desde a morte, em 2021, de Wellington da Silva Braga, o Ecko, irmão de Zinho e seu antecessor no controle do bando.
Com Zinho atrás das grades, a polícia não descarta a possibilidade de que rivais tentem se aproveitar em busca de tomar o comando das áreas em conflito na Zona Oeste da capital e na Baixada Fluminense. Trabalha-se ainda com a hipótese de que, antes de se entregar, o miliciano já tenha designado um sucessor — embora ainda não haja um consenso sobre quem estaria à frente dos negócios. E, por outro lado, segundo destacou o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, acredita-se que, preso, o paramilitar teria “muito a dizer”.
— Uma milícia como essa não se estabelece no Rio de Janeiro, dominando quase um terço do território da cidade, sem conexões poderosas. Então, o Zinho tem muito a dizer. E a gente espera que ele fale — comentou.
Cela de 6m² em Bangu
Foragido e com 12 mandados de prisão contra ele, o criminoso se apresentou no fim da tarde de domingo, véspera de Natal, a agentes da Delegacia de Repressão a Drogas (DRE) e do Grupo de Investigações Sensíveis e Facções Criminosas (Gise), ambos da PF, na Superintendência Regional da corporação, na Praça Mauá, região central do Rio. Após trâmites burocráticos, ele foi transferido, com escolta de aproximadamente 50 homens, para o presídio Bangu 1, no Complexo de Gericinó. É onde permanece em uma cela de seis metros quadrados, neste primeiro momento, sem acesso ao banho de sol e com refeições servidas no próprio local. Há outros 11 milicianos na área reservada em que está, incluindo Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, acusado de chefiar a milícia de Rio das Pedras e com quem bandidos teriam confundido o médico Perseu Ribeiro de Almeida, em outubro, na Barra da Tijuca, no ataque que acabou com três ortopedistas assassinados.
Até chegar a esse desfecho, o poderio de Zinho já teria começado a ruir por ele não ter mantido a quadrilha coesa após a morte de Ecko — baleado por policiais civis dentro de uma van, após ser capturado vivo. Anos antes, o outro irmão dele, Carlinhos Três Pontes, já tinha sido morto pela polícia. Ecko havia fechado acordos bilaterais com outros paramilitares, num período marcado pela expansão do grupo pelo estado do Rio. Sem que Zinho tenha sustentado esse quadro, criminosos que ocupavam cargos de “gerentes” na antiga estrutura passaram, então, a reivindicar seu quinhão, em áreas como Jacarepaguá e Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. Atualmente, pelo menos cinco grupos disputam o território que antes era dominado por Ecko.
Em paralelo, para continuar cobrando taxas em regiões como o Recreio, Zinho precisou fazer acordo com o Comando Vermelho, maior facção do tráfico do Rio — que também se aproveita da fragilidade para retomar antigos redutos.
Policiais encarregados de investigar o bandido apontam ainda três razões determinantes para ele ter se apresentado à polícia. A principal teria sido o revés representado pela Operação Batismo, da PF com o Ministério Público do Rio (MPRJ), no último dia 18, que tinha como um dos alvos a deputada estadual Lúcia Helena Pinto de Barros, a Lucinha (PSD). Segundo a polícia, ela integraria o braço político da quadrilha. A análise de conversas telefônica indicam, segundo a PF, que ela era identificada como “madrinha” por integrantes da milícia.
Segundo ressaltam fontes, Zinho já havia sofrido outras duas derrotas. Uma delas seria a perda do seu sobrinho e principal braço armado do bando, Matheus da Silva Rezende, o Faustão ou Teteus. Ele foi morto numa troca de tiros com agentes da Polícia Civil, em 23 de outubro. Na ocasião, Zinho determinou a queima de 35 ônibus e de um trem, provocando caos na Zona Oeste carioca. Soma-se a isso o fato de, nos últimos três meses, ele ter perdido três homens de confiança presos pela polícia, entre eles Delson Xavier de Oliveira, detido no fim de novembro, suspeito de ser o principal armeiro do grupo.
— A morte do Faustão e a Operação Batismo foram determinantes. E as perdas desarticularam o bando, que foi enfraquecido e poderia até sofrer com ações de ex-integrantes — disse um dos policiais que investigam o miliciano.
Intervenção de ‘patronos’
Nesse contexto, a negociação para que o criminoso se entregasse começou há pouco mais de uma semana. Segundo a Polícia Federal, a prisão ocorreu após “tratativas entre os patronos” — advogados de defesa — de Zinho, a PF e a recém recriada Secretaria estadual de Segurança Pública. O cerco ao paramilitar também já estava fechado, ressaltou Cappelli.
— A Polícia Federal foi se aproximando, se aproximando, e fica claro que Zinho optou por não correr o risco de ter o mesmo destino de seu sobrinho e também de seu próprio irmão, o Ecko — afirmou ele. — Quando um cidadão como esse, um miliciano como esse, sabe que se tem muita informação sobre ele, percebe que a vida dele começa a correr risco, até pelo receio de ser assassinado pelos próprios comparsas.
Nenhum dos antecessores de Zinho no comando da milícia, no entanto, conseguiu manter sua influência no grupo de dentro da cadeia. Todos os ex-chefes da quadrilha capturados foram enviados a presídios federais, tiveram os laços com o grupo cortados e rapidamente o vácuo de poder foi ocupado por um novo chefe.
Enquanto isso, o paramilitar responde a mais de uma dezena de processos que podem culminar em 200 anos de pena por crimes como homicídios, organização criminosa e corrupção ativa. As últimas operações revelaram que o grupo cobrava até para que construtoras de obras públicas e privadas atuassem na Zona Oeste. Agora, especialistas e policiais temem que a cena criminal da região, assim como na Baixada, possa acirrar conflitos. O GLOBO tentou, sem sucesso, contato com a defesa de Zinho.