Um traço ainda pouco comentado entre historiadores sobre o Terceiro Reich foi o seu aparato jurídico. A Alemanha nazista possuía uma Suprema Corte, o temido Volksgerichtshof (Tribunal do Povo). Presidido por um juiz careca, sádico, psicopata e constantemente auto-referente (referirmo-nos a Roland Freisler, na década de 1940), suas sentenças judiciais condenaram inocentes por “crimes” como supostas tentativas de abolir o Estado, traição, escrever em jornais dissidentes e até mesmo contar piadas. Isso tudo na Alemanha nazista. Em 1940. Frise-se.
Uma dessas inocentes foi Marianne E Kürchner. Desenhista técnica em uma fábrica de armamentos, Marianne compartilhou uma piada com uma colega de trabalho — a mesma que mais tarde a denunciaria às autoridades. A piada era simples:
“Hitler e Göring estão no alto da torre de rádio de Berlim. Hitler diz que quer fazer algo que coloque um sorriso no rosto dos berlinenses. Göring responde: ‘Por que você não pula?’”
O comentário, que hoje poderia parecer apenas um exemplo morno de humor negro, foi considerado um crime gravíssimo por Roland Freisler no Volksgerichtshof. Embora tecnicamente fazer piadas sobre Hitler pudesse ser punido com a morte, a maioria das pessoas que ousava esse tipo de provocação enfrentava, no máximo, advertências ou curtos períodos de “reeducação” em campos de concentração como Dachau. Na prática, eram raras as punições extremas — ao menos nos primeiros anos da guerra.
A censura na Alemanha nazista
Mas, conforme a maré do conflito virou contra o Terceiro Reich, a repressão a manifestações de descontentamento tornou-se cada vez mais brutal. O humor passou a ser interpretado como traição. E a pobre Marianne tornou-se um exemplo dessa virada.
Convocada ao Volksgerichtshof, Marianne admitiu ter contado a piada diante de Roland Freisler — conhecido por suas diatribes violentas e sentenças de morte. Tentou se justificar: estava emocionalmente abalada com a morte recente do marido, morto no front. Mas a tentativa de defesa teve o efeito oposto.
Freisler, ao invés de qualquer empatia, usou o luto de Marianne como agravante. “Como viúva de um soldado alemão morto, Marianne Kürchner tentou minar a nossa vontade de defesa viril e o trabalho dedicado no setor de armamentos rumo à vitória”, escreveu o juiz. “Fez observações maliciosas sobre o Führer e sobre o povo alemão, e expressou o desejo de que perdêssemos a guerra… Como ainda se declarou tcheca, sendo na verdade alemã, ela se excluiu da comunidade racial. Sua honra foi destruída permanentemente, e, portanto, deve ser punida com a morte.”
A sentença foi emitida em 26 de junho de 1943. Pouco depois, Marianne Kürchner foi decapitada pela guilhotina.
O caso, resgatado pelo autor Rudolf Herzog no livro Dead Funny: Humor in Hitler’s Germany, mostra como, sob um regime totalitário, até mesmo o riso pode custar a vida. A tragédia de Marianne não foi apenas a de uma piada mal recebida — mas a de um Estado que transformou o medo em lei e a obediência em dogma absoluto.
Isto tudo ocorreu há muito tempo. E muito longe. Na Alemanha nazista. Em 1943.