A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acusou oito ex-executivos das Lojas Americanas de praticarem insider trading — uso indevido de informações confidenciais no mercado de capitais. A informação veio à tona nesta sexta-feira, 18.
A investigação da CVM focaliza na venda de ações da Americanas antes do anúncio das inconsistências contábeis da rede, em 11 de janeiro. Segundo a comissão, há “elementos robustos, contundentes e convergentes” que sustentam as acusações de insider trading.
Os acusados incluem o ex-CEO Miguel Gutierrez e os ex-diretores Anna Saicali, Marcio Cruz e José Timotheo de Barros, que ocupavam cargos estatutários. Eles terão a chance de apresentar suas defesas.
Conforme a CVM, os acusados violaram a lei e normas que proíbem o uso de informações não divulgadas para obter vantagens em negociações de valores mobiliários. Essas regras visam a garantir a transparência e a equidade no mercado.
CVM abre novo inquérito para apurar irregularidades
Além dos nomes principais, outros executivos de escalões inferiores foram denunciados, incluindo Fabio da Silva Abrate, Marcelo da Silva Nunes, João Guerra Duarte Neto e Fellipe Arantes Lourenço Bernardazzi, por envolvimento similar.
Essas acusações surgem depois de investigações sobre um escândalo contábil que gerou um rombo de mais de R$ 25 bilhões, levando as Lojas Americanas à recuperação judicial em 2023. A Polícia Federal e o Ministério Público também investigam o caso.
A CVM informou que um novo inquérito foi aberto para apurar irregularidades em negociações envolvendo ativos emitidos pela Americanas S.A., por pessoas físicas e jurídicas sem ligação com a empresa.
No total, a CVM conduz atualmente duas investigações, dois processos administrativos sancionadores e dez processos que analisam informações relacionadas ao caso, buscando esclarecer todos os aspectos do ocorrido.
O escândalo da Americanas
O terremoto da Americanas começou na noite de quarta-feira 11 de janeiro, quando o executivo Sérgio Rial anunciou que deixaria o cargo de CEO da varejista apenas nove dias depois de assumir a posição máxima do organograma. Ele substituíra Miguel Gutierrez, com 29 anos de empresa. A entrega de bastão era o começo de uma jornada que prometia e tinha gerado expectativa por parte dos investidores — Rial, oriundo da presidência do banco Santander, modernizaria uma empresa vista como acomodada — e até por funcionários.
No dia 3 de janeiro, Rial era o centro de uma transmissão ao vivo pela internet esbanjando otimismo. A cena era o oposto do que se veria na manhã da quinta-feira 12 de janeiro, horas depois de um comunicado anunciar seu afastamento e o encontro de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões no balanço da empresa. A hecatombe foi imediata dentro e fora do mercado financeiro: fundos de investimentos com a Americanas na carteira perderam R$ 4,2 bilhões em apenas um dia. Em uma semana, as ações da empresa despencaram 80%, vendo sumirem de seu valor cerca de R$ 9,6 bilhões. E o pior ainda estava por vir: os R$ 20 bilhões, anunciados por Rial, se somaram a uma dívida bruta de R$ 19,3 bilhões, acrescidos de outros R$ 3 bilhões. Total: o rombo passou para mais de R$ 40 bilhões.
A situação culminou num pedido de recuperação judicial, aceito pela Justiça, o que a protege de pagar credores durante 180 dias. Para ter noção do valor do rombo da Americanas, ela é a soma do valor de mercado de empresas nacionais, como GOL, Via, Marfrig, Fleury, Sanepar e Taesa. Quer piorar? Na noite da quarta-feira 1°, a equipe de administração judicial do processo de recuperação verificou que a dívida total do grupo é ainda maior: R$ 47,9 bilhões. A diferença de R$ 6,6 bilhões foi encontrada pela equipe que fez um pente-fino na lista de dívidas e credores.
Crise sem fim
O escândalo Americanas impressiona pelo tamanho do rombo, pelas variadas perguntas ainda sem resposta e pelos estragos que provocou nos mais variados setores da economia: dos bancos (só o Bradesco tem R$ 4,8 bilhões a receber) aos gigantes de tecnologia (Apple, com R$ 98 milhões), dos fabricantes de chocolates (Nestlé, com R$ 259 milhões) aos de eletrônicos (Samsung, com R$ 1,2 bilhão). Também chama atenção a velocidade do aparente desmoronamento. Só nos últimos dias, a varejista cortou contratos de terceiros e encerrou as televendas. Dois dos fornecedores de setores diferentes confirmaram à reportagem como anda a relação com a marca: para sair com caminhões cheios de mercadorias, empresas agora exigem pagamento no ato, e com valor exato da nota fiscal. Acabou a história dos 180 dias para pagar — fatura que era paga, na maioria das vezes, pelos bancos.
Como os mecanismos de controle do mercado de capitais brasileiro e sobretudo a auditoria independente não foram capazes de identificar o rombo monumental? Quem são os verdadeiros vilões da história?
Isso exige agora da Americanas dinheiro robusto no caixa, o chamado capital de giro, para arcar com todas as despesas de mercadorias, para não gerar outro problema, apontado por especialistas como provável: de operação, com produtos em falta nas gôndolas da empresa. “É uma situação muito difícil, que beira o irrecuperável”, analisa Junior Borneli, fundador da escola internacional de negócios StartSe e especialista na análise de companhias nacionais e estrangeiras. “Uma empresa, para se manter de pé, precisa de três pontos: a credibilidade, a venda e o fluxo de caixa”. Tudo o que a Americanas não tem mais. Faz um mês que a credibilidade da Americanas evaporou, e o fluxo de caixa virou miragem com a saída dos bancos. Consequência: queda das vendas. Afinal, quem vai comprar pelo site uma bicicleta para o filho sem a certeza da entrega?
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