A partir de um movimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL) repetirá a mesma estratégia utilizada em 2020 na corrida pela Prefeitura de São Paulo: ter como vice alguém que já ocupou o principal posto do Executivo municipal.
Há quatro anos, o PSOL formou uma “chapa pura”, com a deputada federal Luiza Erundina como vice. A parlamentar foi prefeita entre 1989 e 1993.
Agora, a prerrogativa de indicação para o posto cabe ao PT após um acordo celebrado nas eleições de 2022. A partir disso, Marta Suplicy, prefeita entre 2001 e 2004, foi a escolhida após um período afastada dos petistas, tendo feito críticas ao antigo partido.
Lula foi o responsável pelo convite para Marta compor a chapa de Boulos e pelo seu retorno ao PT. Durante a cerimônia de filiação no começo do mês, o presidente afirmou que teve uma intuição: para o pré-candidato do PSOL vencer, precisaria ter a ex-prefeita como vice.
“Eu fiquei muito feliz de conseguir convencer a companheira Marta Suplicy, que é a prefeita que tem a melhor memória com o povo de São Paulo, a ser vice do companheiro Boulos”, disse Lula em entrevista à Rádio Metrópole, em 23 de janeiro.
Outra coincidência ainda liga Marta e Erundina: ambas eram do PT quando estiveram à frente da prefeitura.
Parlamentares do PSOL ouvidos pela CNN veem a repetição como um fator agregador, principalmente pela proximidade que trará com o eleitorado de bairros da periferia.
O vereador Celso Giannazi (PSOL) diz que a opção por uma chapa puro-sangue em 2020 teve um efeito benéfico politicamente. Na ocasião, Boulos e Erundina avançaram ao segundo turno, deixando para trás candidaturas de esquerda, como a de Jilmar Tatto (PT) e Orlando Silva (PCdoB).
Na periferia, na análise do vereador, Erundina guarda um histórico muito forte, principalmente em pautas ligadas a habitação, saúde e educação. “Isso foi determinante também para que o candidato Guilherme Boulos tivesse um resultado positivo”.
No atual cenário, com Marta, a estratégia segue fortalecendo a candidatura do PSOL, em sua visão. “As administrações do PT na cidade de São Paulo deixaram marcas muito positivas de políticas públicas”, expressa Celso Giannazi.
Para a vereadora Silvia Ferraro (PSOL), da Bancada Feminista da Câmara Municipal, existiram três gestões que foram referência e parâmetro para Boulos: Erundina, Marta e Fernando Haddad (2013-2016).
“É natural que nós nos baseemos em gestões que nós consideramos progressistas e de esquerda no passado para gente poder ter um programa e ter uma candidatura que represente também esse passado nessa próxima chapa com o Guilherme Boulos”, explica Ferraro.
Em sua opinião, Boulos, ao optar por Marta, quer trazer o legado de uma gestão, e não apenas ela como pessoa. “O legado da Marta quanto uma gestora de esquerda, progressista, aqui do município de São Paulo”.
A professora de ciências políticas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Graziella Testa analisa que o cálculo na escolha de Marta foi feito no sentido de buscar um nome que tivesse mais respaldo entre a população idosa e menos à esquerda, o que difere da opção por Erundina em 2020.
Marta fez todo uma carreira política inicial no PT, mas depois se desliga do PT e caminha um pouco mais para o centro do espectro político. Talvez a semelhança entre elas seja uma base eleitoral de periferia que importa para Boulos.
Graziella Testa
A partir disso, de acordo com Testa, existe uma tentativa de Boulos em se aliar a alguém que já foi prefeita e não fez nenhuma grande revolução à esquerda. “Boulos tem o histórico político de uma esquerda mais extrema e isso preocupa o eleitor mediano”, explica.
É tradicional que políticos, quando saem da votação proporcional (para cargos do Legislativo) para o voto majoritário (cargos do Executivo), precisem buscar eleitorados que não tinham antes, de acordo com a cientista política. “Para buscar esse eleitor é que Boulos está fazendo esse caminho. E faz isso via a construção da chapa, com sua vice”, prossegue Testa.
Deixando o PT em 2015, Marta tomou posições distintas tanto da sigla em que militou por 33 anos, quanto do PSOL. A então senadora foi a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e se aliou a Michel Temer (MDB), que assumiu a Presidência da República em 2016.
Em 2020, foi contrária à chapa de Boulos e Erundina, apoiando a dobradinha Bruno Covas (PSDB)/Ricardo Nunes (MDB). Posteriormente, assumiu a Secretaria de Relações Internacionais da capital paulista por três anos.
O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) diz que existem diferenças e contradições com Marta, mas o caso se parece com a formação da chapa entre Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que foram antagonistas anteriormente.
Entretanto, para o deputado, existe uma diferença: Marta militou no PT desde sua fundação. Em sua opinião, os anos de diferenciação com a esquerda “foi algo específico”. “Ela teve uma divergência nesse momento que inclusive a crise dela nem foi com Lula, foi com a gestão da Dilma”, diz Carlos Giannazi.
“Toda trajetória dela foi construída no PT, teve essa divergência, mas o saldo geral da conduta dela foi sempre pelo campo progressista, no mínimo”, continua.
Silvia Ferraro diz que Marta teve uma trajetória “errática”. Isso por ela ter se construído como uma “feminista” e uma “mulher de esquerda”, e após ter ido para “o outro lado” ser favorável ao impeachment de Dilma, ao governo de Temer e a reforma trabalhista.
“Nós não concordamos com essa trajetória que ela teve. É uma trajetória oposta com a trajetória que o PSOL teve”, cita Ferraro, colocando a eventual vitória contra Nunes, candidato que terá o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acima de qualquer desavença.
A escolha pela ex-prefeita pode gerar alguns atritos mais adiante na campanha, mas a preocupação agora “é muito mais pragmática do que de convicção com uma ideologia específica”, finaliza Graziella Testa.
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