quarta-feira, outubro 2, 2024
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Cirurgia inovadora no SUS dá “novo” rosto a jovem no Paraná; entenda

Hemangioma cavernoso fez Andressa Cordeiro ter hemorragias e perder um dos olhos e parte do lábio e do nariz; em cirurgia, equipe médica removeu o tumor e agora atua para reconstruir seu rosto

“Sempre que eu ficava agitada ou no sol aparecia uma mancha vermelha no meu rosto”, recorda Andressa Cordeiro, hoje com 24 anos. Aos 10 anos de idade, ela foi diagnosticada com um hemangioma cavernoso na face. Embora benigno, esse tumor causou sequelas graves para ela.

A evolução a levou a perder o olho direito, além de parte do lábio e do nariz. No último dia 27 de agosto, uma equipe de especialistas se reuniu no Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba, para remover o tumor em uma cirurgia que durou 18 horas, dividida em várias etapas.

A equipe médica optou pela interferência cirúrgica após mais de uma década de acompanhamento do caso de Andressa. “Foi só quando fizeram um exame de vista na escola que fui encaminhada a um oftalmologista. Ele pediu um exame de ressonância magnética e me encaminhou para Curitiba”, relata a jovem, que vivia em Luiziana, no interior do Paraná.

Devido a hemorragias, Andressa teve que deixar a escola. Ela conta que odiava tirar fotos e sair em público, além da dificuldade de viver em hospitais e do medo de morrer por complicações. “Me afastei de todos os meus amigos e tinha vergonha de mim mesma. Não foi fácil lidar com os olhares das pessoas e foi muito difícil viver em função de tudo isso”, lembra ela, em entrevista por e-mail a GALILEU.

O que é hemangioma cavernoso?

O hemangioma é uma patologia congênita, o que significa que a pessoa nasce com ele. Não é uma condição transmissível, e sim decorrente de alterações na formação do embrião. Ele ocorre em razão do crescimento anormal de vasos sanguíneos em determinada região do corpo, sendo classificado como um tumor vascular benigno.

O tamanho do hemangioma pode variar – alguns indivíduos o apresentam somente no lábio, no nariz ou na orelha; outros, na face toda. No caso de Andressa, o tumor se desenvolveu por toda a metade direita de seu rosto.

E há diferentes tipos de hemangioma: ele pode ser capilar (ou superficial) e/ou cavernoso (ou profundo). O capilar é aquele que se desenvolve nas camadas externas da pele; já o cavernoso — caso de Andressa — se manifesta nas camadas mais profundas e tem um aspecto inchado, com coloração azulada ou arroxeada.

É comum que crianças com essa condição na face desenvolvam aumento dos lábios e apresentem uma mancha que se expande em momentos de agitação, como no choro. Isso ocorre porque as veias, finas e altamente distensíveis, incham com o aumento da pressão.

“Tem crianças que, usualmente, quando choram, a mãe vê uma bola azul que cresce e desincha. Isso são malformações venosas chamadas hemangiomas”, explica a GALILEU Gelson Luis Koppe, neurorradiologista intervencionista que acompanha Andressa desde o início. Em alguns casos, essas veias podem aumentar ao longo dos anos, deformando o rosto.

O maior risco envolvido nessa condição é a morte decorrente de um choque hipovolêmico, quando há um problema no bombeamento de sangue do coração devido à diminuição do volume sanguíneo em casos de hemorragia. Aconteceu com Andressa.

“Ela chegou para a gente há vários anos por um sangramento oral”, relata Koppe. Na época, ela esteve sob risco de morte. “De lá para cá, a gente vem minimizando esses sangramentos, tentando fechar algumas veias para que ela não venha a ter novas hemorragias.”

Daí a importância de se consultar um especialista logo que aparecem os primeiros sintomas, como reforça Koppe. Até os 7 anos, é comum que os médicos optem por não interferir com tratamentos. Nessa idade, as crianças passam pela primeira fase hormonal e um grande número de “vasos anômalos” pode sumir naturalmente.

Quando isso não acontece, a tendência é que o hemangioma cresça e perdure para o resto da vida. Em mulheres, a fase hormonal da adolescência pode, inclusive, provocar o crescimento do hemangioma, como no caso da jovem do Paraná. “Não tinha outra opção [além da cirurgia], porque a doença poderia evoluir e ela falecer por sangramento, sem poder fazer nada.”

A cirurgia

Durante os anos de acompanhamento de Andressa, antes da cirurgia, foram feitos tratamentos para evitar sangramentos maiores, fechando as veias doentes. Contudo, a proliferação do hemangioma e o aumento da malformação no decorrer do tempo passaram a representar um grande risco para ela.

“Quanto maior a extensão do hemangioma, dependendo do local, mais difícil fica para você tratar, ressecar e dar uma condição anatômica e estética para os pacientes”, afirma Koppe.

Andressa após a cirurgia — Foto: Arquivo pessoal

A cirurgia realizada na jovem pelo SUS é considerada inovadora pela sua magnitude. “É marcante, neste caso, que a cirurgia reparadora está reconstruindo a hemiface direita dela, inclusive metade do nariz. Por isso que realmente é uma cirurgia grande e realizada totalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, destaca Koppe.

Enquanto neurorradiologista intervencionista, o trabalho de Koppe consistiu em tratar o tumor por cateterismo. O catéter é um tubo inserido em um vaso sanguíneo com o objetivo de drenar ou injetar fluidos no corpo. Por dentro da veia ou da artéria, o médico faz a embolização do hemangioma, interrompendo o fluxo sanguíneo.

“A gente utiliza um tipo de cola que é injetado para ir fechando esses vasos por dentro deles. Então, nós estamos fechando toda aquela rede de artérias e veias que eram uma das causas da evolução da doença da Andressa”, explica.

Depois de fechados os vasos, forma-se um coágulo que, se mantido no organismo, induz a absorção e formação de novos vasos – provocando o aumento do hemangioma. Por isso, o passo seguinte da equipe cirúrgica foi remover esses vasos. Em seguida, deu-se início a reconstrução da face a partir da cirurgia plástica.

A perda de pele, músculos e nervos fez necessário um transplante de tecido para a região do tumor, fazendo um enxerto ali. “Optamos por um retalho do músculo grande dorsal para garantir a movimentação facial e a cobertura cutânea”, explica, em comunicado da assessoria de imprensa do hospital, o cirurgião plástico Alfredo Duarte.

A reconstrução do lábio, do olho e do nariz será feita em procedimentos futuros. “Eu ainda tenho algumas cirurgias pela frente, mas minhas expectativas são as melhores. Poder ter uma vida um pouco mais normal e sem medo é o que eu mais quero”, declara Andressa.

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