Eleita uma das cidades mais descoladas do mundo, a Cidade do Cabo é daqueles destinos que esbanjam adjetivos irresistíveis. Suas belezas naturais são estonteantes, a gastronomia é rica e viva, e a cena artística é antenada, refletindo uma população moderna e muito acolhedora.
Eu já havia percorrido outros territórios africanos com o CNN Viagem & Gastronomia, como as planícies alagadas de Ruanda e países como Marrocos e Tunísia e até Argélia, que ainda engatinha no turismo. Mas a África do Sul não poderia ficar de fora.
Afinal, o país é um dos mais interessantes do continente, em que a Cidade do Cabo se destaca, sendo eleita pela Time Out como uma das melhores cidades para se visitar no mundo. Assim, o local ganhou não somente um, mas dois episódios na 8ª temporada do CNN Viagem & Gastronomia.
A chegada
A boa notícia é que, desde o ano passado, a África do Sul está mais perto do Brasil. Isso porque a South African Airways lançou voos diretos de São Paulo para a Cidade do Cabo com uma duração de 7h30, menos que uma viagem a Miami. Vale ressaltar que brasileiros não necessitam de visto para entrar no país.
Mas antes de embarcarmos, algumas informações históricas nos ajudam a entender melhor o destino. Fundada pelos holandeses no meio do século 17, a Cidade do Cabo é a cidade mais antiga da África do Sul e, hoje, é a segunda maior do país, ficando atrás de Joanesburgo.
A partir do século 18, o controle do país passou várias vezes pelo domínio britânico. A independência foi declarada em 1961, mas a verdadeira ruptura e a instalação da democracia só ocorreu em 1994, com o fim do apartheid e as primeiras eleições democráticas, que elegeram Nelson Mandela como o primeiro presidente da África do Sul.
Neste contexto, a Cidade do Cabo foi o centro político durante o apartheid e, atualmente, é um dos mais importantes núcleos geopolíticos, econômicos e turísticos do país. Ela é, inclusive, uma das três capitais sul-africanas, em que abriga o parlamento. As outras capitais são Pretória, capital administrativa, e Bloemfontein, capital judiciária. Tal divisão veio com o fim do apartheid como forma de distribuir os poderes forma mais equitativa.
Cultura e natureza: o que visitar
Cheia de cantinhos especiais, a Cidade do Cabo é vibrante com a mistura de belezas naturais e culturais. Bairros revitalizados, museus diversos e paisagens estonteantes, que incluem a famosa Table Mountain e os Doze Apóstolos, devem fazer parte do roteiro. Confira minha seleção abaixo para começar suas descobertas:
Victoria & Alfred Waterfront: porto e bairro
O V&A Waterfront é um bom começo para nos situarmos na cidade. Localizado nos limites do porto, ele fica em frente ao mar e nos oferece uma variedade de restaurantes, lojas, mercados, agito cultural e até aquário, tudo isso com a Table Mountain como pano de fundo.
Minha dica é aproveitar o local pela manhã para emendar um almoço de frente para o porto, ocasião que pode ser curtida no Quay Four, um dos mais antigos e famosos restaurantes de frutos do mar da região. Lagosta, anéis de lula e mexilhões podem ser deliciosamente apreciados junto de um vinho branco sul-africano.
É do V&A que sai a balsa para a Robben Island, prisão onde Nelson Mandela passou boa parte de sua detenção e que hoje é um Patrimônio Mundial da Unesco. O Nelson Mandela Gateway é o local de partida, com saídas diárias de balsas que levam meia hora até o pequeno porto.
Robben Island: pedaço da história
Após um trajeto de 30 minutos a partir do Waterfront, chega-se à ilha de Robben Island, que foi usada entre os séculos 17 e 20 como prisão e base militar. Foi aqui que Nelson Mandela passou boa parte de seus anos preso.
Hoje, o local é um Patrimônio da Unesco, que descreve as construções restantes como testemunhas do “triunfo da democracia e da liberdade sobre a opressão e o racismo”.
O tour de ida e volta dura cerca de 3h30, em que passamos por cemitério, igreja e a antiga prisão de segurança máxima. Para estrangeiros, o passeio tem um custo de 600 rands sul-africanos, cerca de R$ 192.
Zeitz Mocaa: museu de arte contemporânea
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Zeitz Mocaa abriga a maior coleção mundial de arte contemporânea da África • CNN Viagem & Gastronomia
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Daniela Filomeno e o guia Evaan Ferreira visitam galeria do museu • CNN Viagem & Gastronomia
De volta ao V&A, uma das paradas culturais mais interessantes se dá no Zeitz Mocaa, que abriga a maior coleção mundial de arte contemporânea da África. É uma ótima maneira de mergulharmos na cultura local e, principalmente, de notarmos os caminhos atuais da arte africana.
Para mim, o museu se destaca por dois grandes motivos. O primeiro diz respeito à recuperação arquitetônica de um antigo silo, que deu uma sobrevida ao local por meio da arquitetura. O átrio é enorme e imponente, onde trabalhadores se moviam com os grãos que chegavam até ali. Os túneis foram preservados e podemos ter um vislumbre do passado.
O segundo motivo é sobre a valorização da arte africana sob uma perspectiva de artistas do mundo todo, como as fotografias da artista Zanele Muholi. Sul-africana, ela joga luz à raça, gênero e sexualidade, com temas também ligados à comunidade LGBTQIA+. Entradas para o museu saem a partir de 250 rands, ou cerca de R$ 80.
Camps Bay: pôr do sol deslumbrante
Um dos programas imperdíveis na Cidade do Cabo é a praia de Camps Bay. Com o mar de um lado e as montanhas do outro, o local é pitoresco e melhor aproveitado no pôr do sol. As cores formam um espetáculo no céu e nos convidam à contemplação.
Alguns brasileiros dizem que a praia tem um ar carioca devido às montanhas do entorno e ao agito da orla. É ponto comum também para moradores que caminham e que passeiam com os pets depois do trabalho, criando uma atmosfera agradável.
Além do mais, a paisagem enquadra perfeitamente os Doze Apóstolos, cadeia montanhosa que revela picos dramáticos enfileirados.
Table Mountain: cartão-postal
Uma viagem à Cidade do Cabo não fica completa sem uma visão a partir da Table Mountain, cartão-postal e símbolo local. Do chão ela já é imponente, mas o bacana é subir em seu topo por meio de bondinho. Minha dica é aproveitar o passeio logo no primeiro horário, de manhã, com um nascer do sol fascinante.
O bondinho nos eleva a mais de 700 metros acima do nível do mar, altura suficiente para avistarmos toda a cidade, incluindo a Robben Island, o V&A Waterfront, o Oceano Atlântico e até a Península do Cabo. Os tíquetes custam entre 60 e 1.050 rands, ou entre R$ 20 e R$ 340.
Gastronomia surpreendente
A gastronomia da Cidade do Cabo reflete a herança cultural da África do Sul e as fusões que o país incorporou ao longo do tempo. Pimenta, cominho e fogo, por exemplo, são alguns dos ingredientes-chave entre uma garfada e outra. Abaixo destaco alguns endereços que merecem a reserva:
Salsify at the Roundhouse
Imagine um restaurante instalado em uma construção de 300 anos com vistas para o Atlântico de cair o queixo. Junte isso a um serviço superatencioso e temos à nossa frente o Salsify at the Roundhouse, liderado pelo chef Ryan Cole.
“A diferença é que estamos em um lugar muito especial, em um parque nacional, então fazemos nossa colheita pelo entorno ao redor das montanhas. Pescamos bastante em locais próximos, então somos bem específicos da nossa região. Isso nos dá uma identidade que ninguém consegue copiar”, conta o chef. Ele serve na casa menus degustação focados na sazonalidade, que nos dão um gostinho de uma África do Sul contemporânea.
Tartar de atum yellowtail com emulsão de manjericão, peixes que derretem na boca e lagostim feito na brasa foram apenas alguns dos pratos que experimentei durante o jantar de 10 tempos (1.895 rands sul-africanos, ou cerca de R$ 610). Uma versão reduzida, de cinco tempos, é servida no almoço (950 rands, ou R$ 305).
The Potluck Club
Outra prova que a Cidade do Cabo está cada vez mais interessante é o The Potluck Club, situado dentro de uma antiga fábrica de biscoitos do século 19, o The Old Biscuit Mill Market.
Bastante disputado, o restaurante ganha agito extra no cair da noite, mas o almoço de segunda a sábado também vale a pena. Os itens autorais são para lá de interessantes e o menu é pensado para ser compartilhado.
Tacos de peixe, tartar de beterraba, hamachi e barriga de porco com curry de coco são alguns dos itens deliciosos do cardápio, melhor aproveitados com taças de vinho branco da região ou com coquetéis autorais. Aos domingos, a casa abre para brunch.
The Art of Duplicity
A coquetelaria também faz parte desta transformação apetitosa da Cidade do Cabo. Quem está na vanguarda é o The Art of Duplicity. Parte da lista do 50 Best Discovery, o bar leva ao pé da letra o conceito de speakeasy, já que recebemos o endereço algumas horas antes do horário da reserva.
As coordenadas vêm junto de um toque de humor e também com um apelo: manter a discrição, sem revelar o endereço para outras pessoas. Tudo faz parte da experiência pensada pelo fundador David Donde. O antigo armazém de café não estava sendo usado, logo veio a ideia. “Vamos fazer um bar! Mas vamos fazer um dos melhores bares do mundo”, diz.
Tudo aqui é um evento: a entrada exige uma senha, depois seguimos para um banheiro com uma porta secreta. Passamos pela cafeteria e aí somos recebidos em um salão íntimo de poucas mesas, cadeiras e sofás. A dica é deixar-se guiar pelas sugestões de coquetéis autorais e descobrir novos aromas e sabores.
David ainda possui um outro projeto nas redondezas, o Rapt – The Art of Indulgence, loja de doces cenográfica e com desenhos no estilo pop art que vende chocolates finos e sorvetes criativos.
Hospedagem: Belmond Mount Nelson Hotel
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De fachada rosada, hotel centenário virou marco na Cidade do Cabo • Divulgação/Belmond
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Uma das piscinas do Belmond Mount Nelson com destaque para a Table Mountain ao fundo • Divulgação/Belmond
Dentro do combo de ótimas experiências na Cidade do Cabo entra em cena o Belmond Mount Nelson, hotel histórico que respira bom serviço e boa gastronomia. Ele foi a minha escolha durante os dias que passei aqui, em que luxo e aconchego fazem parte do modus operandi.
Suas 198 acomodações são um show à parte, com vistas para o amplo terreno com jardins exuberantes. Inaugurado em 1899, a arquitetura vitoriana com toques art déco fizeram dele um marco. A fachada é inteiramente pintada de rosa e a história diz que o motivo foi a comemoração do fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918.
No sopé da Table Mountain, o hotel também capricha na gastronomia. O The Red Room ganhou meu destaque durante a estadia por conta da inspiração asiática moderna. Menus repletos de pratos para compartilhar estão entre as apostas, com itens como beef tataki, atum com crosta de gergelim, panqueca de kimchi, barriga de porco, dumplings e pato laqueado.
Spa, duas piscinas e quadra de tênis completam algumas das comodidades. Não é à toa que ele foi eleito o melhor hotel da África em 2024 pelo The World’s 50 Best Hotels.
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