Desde os bancos do ensino médio, aprendemos que as células assumem uma forma esférica durante a mitose, não só para facilitar a formação do fuso mitótico (estrutura temporária que se forma durante a divisão celular), mas também para garantir uma separação adequada do material genético.
Agora, em um estudo recente, cientistas da Universidade de Manchester, no Reino Unido, afirmam que a coisa não é bem assim, ou seja, nem sempre uma célula-mãe se torna esférica antes de se dividir em duas células-filhas de tamanho e formato iguais.
No artigo, publicado na revista Science, os autores sugerem “que o arredondamento celular mitótico está longe de ser uma característica universal da divisão celular do tipo mesenquimal e é frequentemente ajustado de forma elegante [adaptável] pela morfologia celular pré-mitótica”.
Esta afirmação representa uma mudança importante no entendimento científico sobre o comportamento celular durante a mitose, principalmente no caso das células mesenquimais, um grupo de células-tronco multipotentes encontradas na medula óssea, no cordão umbilical, na gordura e na polpa dentária.
Como são naturalmente alongadas, móveis e adaptáveis, o que o estudo mostrou foi que elas podem continuar se dividindo eficazmente, mesmo sem ter que arredondar, o que antes se pensava ser inviável.
Filmando a divisão celular em peixes transparentes

Para comprovar suas hipóteses, os autores observaram, em tempo real, a formação de vasos sanguíneos em embriões transparentes de peixe-zebra recém-nascidos. Eles perceberam que essa rede circulatória é composta por filamentos celulares migratórios, sob a liderança de uma célula de ponta.
Contrariando expectativas, o estudo mostrou que, quando essa célula de ponta se dividiu, ela não se “arredondou”. Ao fazer isso, ela permitiu uma divisão assimétrica, que gerou uma nova célula de ponta rápida na frente, seguida de uma célula posterior mais lenta, comprovando a flexibilidade do processo mitótico.
Primeira autora do estudo, Holly Lovegrove explicou em comunicado que “Usar embriões transparentes de peixe-zebra de um dia de vida nos permite estudar um processo dinâmico como a divisão celular dentro de um organismo vivo”.
Além de filmar o comportamento celular, a equipe também usou a chamada “micropadronização” em células humanas. A técnica “nos permite gerar fragmentos microscópicos de proteínas com formatos específicos aos quais as células podem aderir”, explica a coautora Georgia Hulmes.
O sistema PRIMO, da empresa Alvéole, utilizado para a micropadronização, funciona com um laser UV que grava formas em superfícies não aderentes, criando padrões onde as células podem aderir e assumir formatos específicos. A técnica permite manipular células com um décimo da espessura de um cabelo humano.
Implicações sobre a divisão celular “não redonda”

Os autores demonstraram que o grau de arredondamento celular durante a mitose funciona como um gatilho que promove a divisão celular assimétrica. Ao contrário do que se pensava, os dados sugerem que células mesenquimais não se arredondam e têm sua forma influenciada pela morfologia pré-mitótica.
Segundo o estudo, esse fenômeno permite que as células usem sua forma física, ainda na interfase, como um molde para influenciar como suas filhas vão se comportar após a divisão. Isso facilita o controle e a coordenação da forma precisa dos tecidos no organismo.
As descobertas sobre a divisão celular “não redonda” têm amplas implicações para a compreensão de doenças. No câncer, essa divisão assimétrica pode gerar comportamentos celulares que potencialmente promovem a metástase e progressão tumoral.
Na medicina regenerativa, esse conhecimento pode revolucionar a fabricação de células para reconstituição de tecidos e órgãos danificados. Futuramente, cientistas poderão controlar a função das células-filhas apenas alterando o formato das células-mãe antes da divisão.
Com a descoberta de que o arredondamento não é obrigatório para a mitose, pesquisadores e médicos poderão, a partir de agora, repensar como projetar terapias celulares, regenerar tecidos e atacar tumores, com maior realismo biológico e eficiência.