sexta-feira, novembro 22, 2024
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Caso “dama do tráfico“ expõe infiltração do crime organizado em movimentos sociais, dizem especialistas

O périplo da esposa de um dos supostos líderes do Comando Vermelho no Amazonas em eventos organizados pelo governo federal e gabinetes de Brasília expôs uma estratégia do crime organizado de se infiltrar nos movimentos sociais ligados à causa carcerária para defender demandas políticas de facções como Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV).

Segundo estudiosos, especialistas e ativistas de direitos humanos ouvidos pela CNN, o crime organizado se profissionalizou nas últimas décadas e passou a atuar em duas frentes: diretamente na política, patrocinando candidaturas, e nos movimentos sociais defensores dos direitos da população carcerária.

Na passagem por Brasília, Luciane Farias, mulher do traficante Clemilson dos Santos, conhecido como “Tio Patinhas”, preso em 2022, estava credenciada como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), uma organização não-governamental que atua no movimento do estado.

Em seu site, o ILA se apresenta como uma organização voltada para o sistema prisional que atua como “porta-voz de todos os familiares e egressos dentro e fora do Estado do Amazonas”.

A informação das agendas de Luciane Farias com autoridades foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

No Ministério da Justiça, a reunião, segundo a pasta, consistiu na apresentação do trabalho da Associação Nacional da Advocacia Criminal e da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), que, segundo a Polícia Civil do Amazonas, é financiada pelo tráfico de drogas.

Luciane esteve também no 4° Encontro Nacional de Comitês de Prevenção e Combate à Tortura, evento promovido nos dias 6 e 7 de novembro pelo Ministério de Direitos Humanos em Brasília, segundo informação divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Segundo ativistas ouvidos pela CNN, esse é um evento que reúne ativistas do Brasil inteiro que atuam de forma legítima junto à população carcerária, mas é difícil fazer a triagem sobre quais organizações são ligadas ou patrocinadas pelo crime.

“É um absurdo fazer qualquer vinculação entre o governo e o crime organizado devido a essas agendas dela, mas é evidente que houve uma falha na identificação. Sempre existiram organizações atuando no sistema prisional, entre elas a Pastoral Carcerária, que existe há mais de 30 anos e é ligada à Igreja Católica”, disse o sociólogo Benedito Mariano, ex-ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, e secretário de Segurança Urbana na capital nas gestões Marta Suplicy e Fernando Haddad.

Ex-secretário de Direitos Humanos na gestão Dilma Rousseff (PT) e atual diretor do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sotilli alerta que esse tipo de atuação do crime não conta com a conivência dos movimentos sociais legítimos.

“O crime organizado tenta se aproximar e cooptar determinadas pessoas”, afirmou.

Sotilli cita como exemplo o caso do vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Luiz Carlos Santos, um ativista conhecido na militância de direitos humanos que foi preso acusado de receber uma mesada de R$ 5 mil do PCC.

No livro “Fé e Fuzil”, o jornalista, escritor e pesquisador Bruno Paes Manso dedica um capítulo inteiro à atuação do PCC na política e nos movimentos sociais.

“Com a profissionalização do crime, o PCC entrou na política e no Estado, passou a financiar candidatos e a criar organizações sociais, no estilo da Máfia. Essa é uma maneira de eles se legitimarem socialmente”, disse Paes Manso à CNN.

Há um temor entre os ativistas de direitos humanos que episódios como esse em Brasília colaborem com narrativas que criminalizam os movimentos sociais.

Em conversas reservadas, fontes ligadas à segurança pública dizem que as principais facções criminosas do País, o PCC e o Comando Vermelho, nasceram como movimentos dentro dos presídios pelos direitos dos detentos, que muitas vezes vivem em condições precárias e sem acesso aos seus direitos.

Nesse sentido, os movimentos que atuam historicamente nesse setor devem buscar mecanismos para barrar a ação oportunista de organizações que atuam em linha com o crime organizado.

Em entrevista coletiva, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, assumiu toda a responsabilidade pela reunião e afirmou que foi um erro ter marcado a reunião com a “Dama do Tráfico Amazonense”.

O chefe da pasta, ministro Flávio Dino disse nunca ter recebido em audiência “líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho”. “De modo absurdo, simplesmente inventam a minha presença em uma audiência que não se realizou em meu gabinete”, afirmou o ministro pelas redes sociais.

O presidente Lula (PT) saiu em defesa de Dino na terça-feira (14). Lula afirmou que Dino é alvo de “absurdos ataques artificialmente plantados” e que o ministro havia reiterado “que jamais encontrou com esposa de líder de facção criminosa”.

Via CNN

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