O sonho começou há mais de 20 anos para o casal Regina e John Zdravich, dos Estados Unidos, após uma amizade com uma estudante de intercâmbio italiana. Eles hospedaram a jovem, que os fez pensar sobre o futuro dos dois.
Em 2001, eles criaram um laço próximo com a estudante e a visitaram três vezes na Itália. Essas viagens fizeram com que ambos se apaixonassem pelo país e começassem a imaginar como seria viver lá.
“Depois, recebemos outro estudante de intercâmbio da Alemanha”, conta John ao CNN Travel. “E começamos a pensar: ‘Talvez devêssemos fazer isso, já que continuávamos voltando à Europa para visitá-los’.”
O casal de Northwest Indiana não tinha como saber, na época, que a decisão de mudar dos EUA para a Itália os levaria a uma odisseia intercontinental cheia de frustrações, sem-teto, e finalmente, felicidade em um destino inesperado.
Em busca de uma vida simples
Conforme a possibilidade de aposentadoria se aproximava, o casal, casado desde 1988, começou a levar a ideia mais a sério.
“Vivemos nos EUA a vida toda e queríamos tentar algo diferente”, diz Regina, que ao longo dos anos teve vários empregos, mas trabalhava como contadora antes de se aposentar.
Eles também queriam simplificar a vida. “Nossa casa era grande demais para nós”, diz Regina. “Sabíamos que teríamos que nos mudar, e então pensamos: ‘Vamos para o exterior’”.
Os Zdravich, que se aposentaram aos 62 anos, já conheciam bem a Itália após tantas visitas. Por isso, quiseram se mudar para lá.
Após pesquisar um pouco, venderam a casa de três quartos em Northwest Indiana, em 2017, e começaram a se preparar para a mudança.
O casal embalou seus pertences em um contêiner e enviou para a Itália, enquanto “se livravam de tudo que possuíam”.
“Começamos a vender coisas online, o máximo que podíamos”, conta Regina. “Doamos muito para a caridade. Demorou um bom tempo para nos desfazermos de tudo.”
Segundo John, eles fizeram um bom negócio com a venda da casa e estavam financeiramente confortáveis para a mudança.
Os Zdravich deixaram os EUA rumo à Itália em janeiro de 2018, levando um gato. Mas as coisas não saíram como o planejado.
Eles se mudaram para um apartamento em Salerno, perto de Nápoles, e começaram o processo de solicitação de visto de residência eletiva — uma autorização de longa permanência para aposentados não pertencentes à União Europeia, para quem tem uma certa renda passiva e deseja morar na Itália.
“Nós precisávamos de um código fiscal nacional [semelhante ao CPF] e de um contrato de aluguel para provar que tínhamos onde morar”, explica Regina.
Após três meses, o casal retornou aos EUA para concluir o processo através do Consulado Italiano, em Detroit, na esperança de retornar permanentemente assim que os documentos estivessem em ordem.
Obstáculos no caminho
Embora tenham apresentado toda a documentação possível, os Zdravich afirmam que o processo foi “um pesadelo absoluto”. Isso porque encontraram um grande obstáculo quando lhes pediram as declarações de imposto de renda com seus rendimentos de aposentadoria.
“Isso não seria possível por mais um ano”, diz Regina, apontando que ela havia se aposentado no final de 2017.
Percebendo que provavelmente não seriam aprovados sem esses documentos, o casal desanimou da ideia, decidiu retirar a solicitação e pediu a devolução de seus passaportes.
“Foi aí que pensamos: ‘O que vamos fazer agora?’”, lembra Regina.
Naquele momento, o casal, que estava hospedado em Airbnbs em Indiana e no norte de Wisconsin, não tinha para onde ir. “Estávamos sem-teto”, diz Regina. “Sem casa. Sem carro. Nada. E era inverno em Northwest Indiana, com neve, gelo, essas coisas”.
Sem saber o que fazer em seguida, decidiram voltar à Itália para tentar resolver a situação. Enquanto estavam lá, os Zdravich buscaram conselhos em fóruns na internet e descobriram que alguns que tiveram dificuldades em obter residência na Itália se aposentaram na Espanha.
“Pensamos: ‘Ok, podemos tentar isso’”, diz Regina.
Como o casal nunca havia visitado a Espanha, decidiram viajar para lá e ver se era um lugar onde poderiam se imaginar morando.
“Voltamos várias vezes à Itália e viajamos bastante pelo país… Mas a Espanha nunca esteve no nosso radar, só sabíamos onde ela se localizava no mapa”, admite John.
Enquanto estavam no país, arriscaram e assinaram um contrato de aluguel de um ano em um apartamento, para garantir um lugar caso tudo desse certo.
Os Zdravich retornaram mais uma vez aos EUA, alugando um apartamento em Chicago, enquanto colocavam os documentos em ordem.
Nesse ponto, John, cujo pai é da Sérvia, começou o processo para obter a cidadania de lá, o que facilitaria uma mudança para outro país europeu caso algo desse errado novamente.
“Estávamos perto dos consulados da Sérvia e da Espanha [nos EUA]”, diz Regina. “Então começamos o processo com ambos.”
A cidadania sérvia de John saiu em cerca de um mês, segundo Regina.
Em aproximadamente três meses, o casal recebeu o visto de residência não lucrativa para a Espanha, um documento que permite que aposentados vivam no país sem trabalhar. “Foi um processo que parecia um emprego de tempo integral”, diz ela.
Mudança para a Espanha
Em agosto de 2018, cerca de oito meses após saírem dos EUA rumo à Itália, os Zdravich chegaram à Espanha para começar sua nova vida.
A mudança de país causou certa confusão nos primeiros meses, especialmente em relação à língua. “Foi desorientador, pois estávamos estudando italiano”, conta Regina. “E de uma hora para outra, trocamos todos os nossos livros de italiano por espanhol.”
Apesar da desorientação, o casal se jogou na vida espanhola, estabelecendo-se na cidade litorânea de Oliva, na região de Valência.
Os Zdravich logo perceberam que gostavam bastante do estilo de vida espanhol. “Os espanhóis gostam de se divertir”, diz John, acrescentando que acha os espanhóis “um pouco mais relaxados”.
“Este seria um ótimo lugar para estar 40 anos mais jovem. Eles têm suas festas. Nós nos divertimos.”
O casal, que já havia comprado e reformado casas juntos, comprou um imóvel de três quartos na cidade de Garcia, na Catalunha, no nordeste da Espanha, com dois hectares de terra por 165.000 euros (cerca de R$ 1 milhão), em novembro de 2018.
“Tínhamos cavalos quando morávamos nos EUA, e sabíamos que queríamos ter cavalos novamente”, diz Regina. “Por isso, um lugar com terra nos atraiu. E além disso, estamos em uma espécie de zona de natureza”.
E completou: “Para nós e para o que queríamos fazer, era o cenário perfeito, mesmo sendo na Catalunha, que tem sua própria língua e quer se separar da Espanha”.
Embora a casa “estivesse em muito bom estado”, os Zdravich gastaram cerca de 10.000 euros (aproximadamente R$ 60,7 mil) em reformas, e mais 15.000 euros (R$ 91 mil) em um novo sistema de energia solar.
“Estamos realmente no rio Ebro, o que os espanhóis podem não achar grande coisa”, diz John. “Mas, nos Estados Unidos, morar em um grande rio é algo importante, mesmo que eu não pesque mais, é agradável.”
Uma das maiores dificuldades que eles dizem ter enfrentado desde que se mudaram foi aprender a língua, especialmente agora que estão na Catalunha, que tem seu próprio idioma, o catalão – além de seu parlamento e bandeira.
A região autônoma realizou um referendo pela independência da Espanha em 2017. “Às vezes nos confundimos… Eles falam catalão, especialmente nessas pequenas cidades”, diz Regina. “Eles querem preservar sua língua catalã”.
“E nós precisamos saber espanhol porque todas as questões oficiais que temos que resolver são em espanhol. […] O fato de haver uma segunda língua aqui fez com que nosso progresso fosse um pouco mais lento, eu acho.”
John aponta que muitos de seus amigos no país são aposentados da Inglaterra, o que não ajudou muito. “Fazemos aulas de idiomas”, ele diz. “Mas como não trabalhamos, falamos inglês entre nós [o tempo todo].”
Outro aspecto de viver na Espanha que Regina acha difícil é o uso do sistema métrico. “Estou confusa”, ela admite. “Receitas me deixam perplexa porque não consigo me acostumar com isso. Finalmente estou me acostumando com a temperatura.”
Acessibilidade
O casal, que agora tem cartões de residência de longo prazo, acha a Espanha muito mais acessível do que os EUA, especialmente quando se trata de comer fora.
“Às vezes, parece que você não pode deixar de sair para jantar”, diz John. “Porque é muito acessível. […] E se você não gosta de vinho, está no lugar errado. Porque o vinho aqui é excelente e acessível.”
Os Zdravich também elogiam muito o “incrível” sistema de saúde pública do país. Eles dizem que compraram um seguro de saúde privado durante os “primeiros dois anos” na Espanha, mas, depois, registraram-se para atendimento de saúde após fornecer sua documentação de residência e registros médicos.
A Catalunha tem seu próprio sistema de saúde pública, que pode ser acessado por qualquer um de seus residentes. “John teve que fazer uma cirurgia nas costas, e não pagamos um centavo“, diz Regina. “Você vai comprar uma receita e pode usar o troco do bolso.
De acordo com Regina, o casal economiza muito dinheiro a cada ano com a medicação para asma dela, que não era coberta pelo seguro de saúde nos EUA. “Nos EUA, é insano o quão caro é o sistema de saúde. E aqui simplesmente não é.”
No entanto, há algumas coisas que são mais caras na Espanha. “Pagamos mais impostos sobre a renda espanhola do que nos Estados Unidos”, diz Regina. “Mas sinto que recebemos muito por isso… As estradas estão em perfeitas condições. Há muitos serviços sociais, se você precisar.”
Embora também tenham achado o combustível mais caro na Espanha, o casal diz que agora dirige distâncias mais curtas, então isso não teve um grande impacto. “Sair para fazer coisas é muito mais barato do que nos EUA”, diz Regina. “Então, no geral, é muito mais barato viver aqui. Viver nos EUA com o dinheiro que temos acho que seria um pouco mais complicado.”
Os Zdravich voltaram para casa apenas algumas vezes desde que se mudaram definitivamente para a Espanha e dizem que, embora sintam falta dos amigos, não sentem falta de morar lá.
“Os EUA estão praticamente fora de controle agora”, diz John. “Assistimos ao noticiário todas as noites e ficamos pensando: ‘Está ficando cada vez mais louco.’”
Eles não têm desejo de voltar permanentemente e dizem que limitam suas visitas ao mínimo, pois acham as viagens longas particularmente cansativas hoje em dia.
Ao refletir sobre sua tentativa fracassada de obter residência na Itália, o casal sente que as coisas poderiam ter sido diferentes se tivessem contratado um advogado de imigração.
Na verdade, eles dizem que aconselhariam qualquer pessoa que tente se mudar permanentemente para um novo país a contratar um, desde que “tenha o dinheiro para isso”.
“Fizemos tudo sozinhos, e foi um trabalho enorme”, diz Regina. “Há muita documentação que você tem que reunir… Você tem que ser organizado.”
Embora estivessem “muito, muito desapontados” por terem que desistir do sonho italiano em 2018, os Zdravich estão muito felizes na Espanha e mantêm contato com o ex-aluno de intercâmbio que primeiro os apresentou à ideia de morar na Itália.
“Tínhamos nossos corações voltados para a Itália”, diz Regina. “Mas, olhando para trás, acho que talvez tenha sido melhor assim.”
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