Após uma longa jornada em busca de sol, Gail e Greg Warner, um casal dos Estados Unidos, começaram a cogitar a ideia de se mudar para um destino mais distante. Na época, morando na Flórida, eles já tinham viajado por diversos países juntos e sempre se perguntavam como seria viver em um deles.
“Você sabe como é, todo mundo faz isso: quando está visitando algum lugar e diz ‘Ah, eu poderia morar aqui,’” conta Gail, de Chicago. “Mas nós estávamos falando sério.”
Porém, havia sempre uma coisa que os impedia: o cãozinho de estimação, Beau. “Não temos filhos, então ele era como um filho para nós,” explica Gail, lembrando que achavam que uma mudança assim poderia ser demais para o cachorro. “O plano era esperar até ele ir para a ‘fazenda no céu’.”
Em 2017, Gail e Greg, que estão casados há cerca de 35 anos, perceberam que poderiam se aposentar mais cedo se fizessem algumas mudanças no estilo de vida.
Após muita pesquisa sobre a vida de expatriados, Greg entendeu que podiam levar Beau com eles, desde que tomassem as providências necessárias.
“Uns seis meses depois de tomar essa decisão, nós começamos a nos programar,” conta Greg, que antes era gerente de projetos.
Escolher o lugar ideal para se mudar não foi fácil. Acabaram reduzindo as opções para Singapura e Espanha — dois destinos que conheciam bem e onde podiam se imaginar vivendo.
Após avaliar os prós e contras de cada um, escolheram a Espanha, principalmente pela proximidade com os Estados Unidos, o que significaria um voo mais curto para Beau, que tinha problemas cardíacos.
“Não queríamos estar num avião por 27 horas seguidas, imagina para esse pobre coitado”, explicou Gail sobre o porquê escolheram a Espanha em vez de Singapura.
Concluíram que a cidade espanhola de Valência, localizada na costa leste do país, seria a melhor opção. Com isso, marcaram uma viagem para conhecerem o lugar.
“Nunca havíamos ido lá,” explica Greg, de Indiana. “E queríamos ver com nossos próprios olhos, para ter certeza de que era o que lemos e vimos nos vídeos do YouTube.”
O casal então iniciou o processo para obter um visto não lucrativo, que permite que cidadãos não pertencentes à UE vivam na Espanha sem trabalhar, desde que comprovem ter recursos suficientes para se manter.
Recomeçando de novo
O plano inicial era sair dos Estados Unidos em dezembro de 2018. Mas, após uma conversa com um “homem muito, muito simpático na embaixada,” Gail e Greg perceberam que poderiam ir para a Espanha assim que o visto fosse aprovado.
“Voltamos (da embaixada), e Greg disse: ‘Parece que vou me aposentar um pouco antes do que pensava. Tenho que fazer umas ligações,’” recorda Gail.
O casal colocou a casa à venda e começou a organizar a despedida da vida na Flórida. “Fizemos todo o processo de pedir residência permanente, vendemos dois carros, a casa e 90% dos nossos bens,” conta Gail.
Como ter um contrato de aluguel de longo prazo era um requisito para o visto, já tinham um apartamento reservado em Valência. “O corretor nos mostrou o lugar por videochamada,” lembra Gail. “E nós dissemos: ‘Ok, parece ótimo.’”
Em julho de 2018, Gail e Greg, ambos com pouco mais de 50 anos na época, “fecharam tudo na Flórida” e embarcaram para começar sua nova vida, levando alguns amigos na jornada.
“Cerca de uma semana após me aposentar, já estávamos a caminho da Espanha”, diz Greg.
Quando chegaram, mudaram-se para um apartamento de dois quartos no “centro histórico” de Valência e começaram a se familiarizar com o novo ambiente.
“Eu diria que, em duas semanas, já tínhamos tudo o que achávamos necessário,” diz Greg. “Já sabíamos onde ficava o supermercado e o mercado local.”
O casal contratou um amigo em comum, fluente em espanhol, para ajudá-los com tarefas como a abertura de uma conta bancária.
“A conta bancária foi provavelmente a parte mais difícil,” diz Greg. “Mas a necessidade de falar a língua é o que torna tudo mais complicado.”
Rapidamente, se adaptaram à vida na Espanha e perceberam que as atitudes e prioridades dos espanhóis eram muito diferentes das que estavam acostumados nos Estados Unidos.
“Sinto-me constantemente inspirada pela capacidade das pessoas de aproveitar o momento,” diz Gail. “Sem aquela ideia de ‘Ah, se eu trabalhar mais, posso ter um carro maior’ ou ‘Se eu me esforçar mais, posso ter uma casa maior.’”
“Não é sobre isso… Tudo ao redor é muito bonito, e você está tão imerso na comunidade que não se trata de se exibir.”
E completou: “É sobre estar contente com o que se tem e aproveitar realmente o que o dia oferece.”
Como Gail estudou espanhol por mais de uma década quando era mais jovem, ela esperava que a língua voltasse com o tempo.
No entanto, ela percebeu que não se lembrava de muito mais do que “frases inúteis” que surgiam de vez em quando.
“Algumas coisas eu consigo dizer perfeitamente,” diz ela. “E outras, quando tento responder a alguém na hora, é complicado. Aí a pessoa vai embora, e eu fico pensando: ‘Ah, eu sei disso.’”
Greg, por sua vez, começou a praticar padel, uma mistura de tênis e squash, que ele afirma ser um sucesso na Espanha. Também joga com os moradores locais regularmente.
Embora esteja aposentado, Greg notou que alguns jogadores competem em torneios no meio do expediente, algo que ele não conseguia imaginar acontecendo nos Estados Unidos.
Esse aspecto descontraído do estilo de vida espanhol combina bem com eles, mas há uma diferença com a qual Gail e Greg ainda estão se adaptando: os horários mais tarde para o almoço e o jantar.
“Em Valência, os restaurantes não abrem para o almoço antes das 14h,” diz Greg. “A gente acorda e toma café por volta das 6h30 ou 7h da manhã e não conseguimos esperar tanto para comer.”
“E o jantar deles começa só por volta das 20h30 ou 21h… Geralmente, já estamos na cama às 22h30. Então, é tarde demais para nós.”
Eles também admitem terem se acostumado com a possibilidade de comprar quase tudo a qualquer hora nos Estados Unidos, sendo que, agora, precisam se adaptar à ideia de lojas fechando para a “siesta”.
“Então, se for 14h e você perceber que acabou o sabonete, terá que esperar até as 17h — isso se a loja abrir de novo,” diz Gail.
Embora inicialmente tivessem seguro de saúde privado, outro requisito para o visto, o casal se inscreveu no sistema público de saúde espanhol após um ano no país e ficaram impressionados com a qualidade do atendimento e os custos mais baixos.
“Acho que o sistema de saúde aqui é muito melhor,” diz Greg. “A qualidade do atendimento é superior. O custo é inacreditavelmente mais barato.”
Gail conta como eles entenderam errado o preço da receita de Greg na farmácia e perguntaram se poderiam pagar com cartão.
“A farmacêutica me olhou de forma estranha,” diz Gail. “Ela passou o cartão, e ele recebeu o recibo: um euro e quatro centavos. Ele achava que era 104 euros.”
Fazendo amizades
Com o passar dos anos, o casal diz que “basicamente formaram uma família composta por espanhóis e expatriados dos EUA, Canadá e França.”
Segundo Gail e Greg, eles devem muitas das amizades que fizeram na Espanha ao seu querido cão Beau.
“Os cães abrem um mundo totalmente diferente… Fizemos tantos amigos queridos, literalmente, só pelo Beau,” diz Gail.
“Muitas pessoas não conseguem resistir a um cão fofo. Então, ou ele se aproximava de alguém e começávamos uma conversa, ou a pessoa vinha até ele — porque ele é fofinho — e aí começávamos a conversar”.
Infelizmente, Beau faleceu em 2022. “Ele ficou conosco por bons três anos e meio (depois da mudança),” diz Greg. “Acho que para ele (mudar) foi mais fácil do que para nós. Ele parecia ser mais sociável aqui do que nos Estados Unidos.”
Ao refletirem, Gail e Greg estão muito felizes por optarem por se mudar para a Espanha com Beau, em vez de esperar. “Sou muito grata por tantas coisas, por termos trazido ele quando viemos,” diz Gail.
Embora o casal tenha priorizado aprender — ou re-aprender, no caso de Gail — o idioma, ainda sentem que não estão no estágio em que gostariam.
“Eu entendo muito melhor do que consigo falar,” diz Greg. “Está demorando muito mais do que eu imaginava para conseguir falar de forma simples.”
Após cinco anos em Valência, Gail e Greg decidiram se mudar para a cidade de Málaga, na Costa del Sol, no sul da Espanha.
Agora, depois de tanto tempo fora dos Estados Unidos, o casal diz que não consegue imaginar voltar e sente que antes estavam sempre em uma “roda de hamster”.
Saudade dos EUA?
“Você não percebe o quanto disso acontece e o quanto é óbvio até sair de lá,” diz Gail. “E você pensa: ‘Por que você se mataria assim?… É fácil para nós, de onde estamos agora, ver isso.”
Alguns espanhóis com quem eles conversam não entendem por que deixaram os Estados Unidos, e o casal acredita que o país é realmente “o lugar perfeito” para quem está trabalhando.
“É uma terra de oportunidades, se você estiver disposto a fazer muitos sacrifícios,” diz Gail, reconhecendo que fizeram alguns “investimentos inteligentes” ao longo do caminho.
“Nós só nascemos lá, foi pura sorte. E fomos oportunistas, aproveitamos a chance. Mas é o último lugar onde eu queria estar sem ter que trabalhar.”
Gail e Greg, agora, consideram a Espanha como seu “lar” e dizem que os Estados Unidos “pareceram um país estrangeiro” quando fizeram sua primeira visita de volta em 2023.
“Só a multidão de pessoas ao seu redor o tempo todo,” diz Greg. “Parecia que todo mundo estava com pressa.”
E completou: “E aí você fica tenso, pensando: ‘Espera aí. Desculpe por estar no seu caminho.’”
Greg afirma que não consegue imaginar outro lugar no mundo que o atraia tanto quanto a Espanha atualmente. “Ficaria muito deprimido se tivéssemos que voltar para os Estados Unidos,” diz ele.
Gail se surpreendeu ao perceber que muitos de seus familiares não demonstraram grande interesse por sua vida na Espanha, mas agradece pelo fato de estarem “felizes onde estão.”
“Eles sabem que nosso quarto de hóspedes (com vista para o Mediterrâneo) está sempre aberto para eles,” comenta.
No ano passado, Gail, cujos avós maternos eram da Eslovênia, contratou um pesquisador para ajudá-la a localizar parentes e, desde então, viajou ao país para visitá-los.
“Duvido que isso teria acontecido se tivéssemos ficado nos EUA,” diz ela.
No início deste mês, várias áreas do leste da Espanha, incluindo Valência e Málaga, foram afetadas por chuvas intensas e enchentes.
Gail e Greg esperam poder se voluntariar para ajudar os afetados nas próximas semanas.
“As enchentes foram terríveis,” diz Gail. “Felizmente, nosso bairro não foi impactado. No entanto, temos amigos tanto em Valência quanto aqui na cidade de Málaga que não tiveram a mesma sorte.”
O casal aconselha qualquer pessoa que esteja pensando em se mudar para um destino completamente novo a realmente se jogar na experiência e aceitar que sua vida provavelmente não será a mesma de antes.
“As pessoas que mais sofrem são aquelas que, por qualquer motivo, estão tentando recriar a vida que tinham no lugar que deixaram,” explica Gail.
“Não é que elas estejam ativamente rejeitando as tradições e o ambiente… Mas ficam reclamando… ‘Ah, não consigo encontrar pretzels macios.’ E eu penso: ‘Por que você está procurando coisas que nem existem aqui? Apenas aceite.’”
Gail e Greg estão completamente felizes com suas novas vidas, mas têm apenas um arrependimento sobre deixar os Estados Unidos e começar de novo na Espanha.
“Para quem está na dúvida, pensando sobre isso: sinceramente, meu único arrependimento é não termos feito isso antes,” diz Gail.