No Rio Grande do Sul, as fortes chuvas que castigam a região já causaram mais de 107 mortes. Segundo o último boletim da Defesa Civil, divulgado na tarde desta quinta-feira, 9, aproximadamente 1,4 milhão de cidadãos em 428 dos 497 municípios do território gaúcho foram afetados.
A maioria dos desabrigados saiu de suas residências e buscou refúgio em casas de parentes ou em locais que estão recebendo as vítimas das enchentes. O prejuízo material, psicológico e emocional é inestimável.
Diante da maior tragédia da história do Estado, centenas de pessoas começaram a se mobilizar para acolher e tentar amenizar as dores de quem mais precisa. Apesar do cenário caótico nas cidades gaúchas, o Estado, por meio das forças de segurança, fiscalizadores e demais agentes, dificultou a ação de voluntários.
A equipe de reportagem de Oeste recebeu inúmeros relatos sobre a burocracia estatal no Rio Grande do Sul, classificada como fake news por integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva e por alguns veículos de imprensa. Entre os episódios destacam-se o desperdício de marmitas feitas por voluntários, dificuldade na aquisição de remédios para enfermos e destrato das autoridades com a população.
Rio Grande do Sul e Santa Catarina de mãos dadas
Sandro Roberto Menezes Santos, de 55 anos, é ex-gestor de segurança e palestrante. Ele morava em Canoas e voltou de uma viagem aos Estados Unidos dois dias antes do início das enchentes, que foi registrado em 29 de abril. Com a inundação, Sandro e sua família perderam tudo.
Seu trabalho voluntário começou no mesmo dia em que sua família saiu da casa onde moravam, localizada no Bairro de Fátima. Naquela madrugada, ele e o genro se juntaram com outros cidadãos para fazer resgates e coletar donativos para atender os necessitados.
Em entrevista, o ex-gestor relatou que, enquanto seu grupo tentava resgatar mais pessoas ilhadas, agentes do Exército exigiram a licença de arrais, que abrange condutores de barcos e jet-skis. Os voluntários decidiram ignorar a ordem e seguiram com os salvamentos. Os agentes não persistiram com a cobrança.
Ele também conta que voluntários de Santa Catarina, Estado vizinho do Rio Grande do Sul, enviaram marmitas para doação. Os alimentos, porém, foram barrados pelas agências fiscalizadoras, que ordenaram que estas deveriam ter etiquetas especificando a data dos alimentos para, assim, fazer as entregas.
“Os colegas de Santa Catarina trouxeram comida fresquinha e insumos, preparados com o maior carinho do mundo”, disse Sandro, em entrevista a Oeste. “Eles estão se doando para nos ajudar, nós levamos lá, mas a entrega foi barrada. É uma sacanagem, né?”
O grupo de Sandro também teve dificuldades para adquirir medicamentos. Em um dos episódios, o voluntário se dirigiu a uma farmácia para comprar remédios para uma criança autista. O atendente da farmácia exigiu o CPF e a receita do fármaco. Contudo, a família não tinha mais esses documentos, pois perdeu tudo na enchente. Para garantir o acesso da criança aos seus medicamentos, ele teve de se dirigir a outra farmácia, onde conseguiu fazer a compra.
O voluntário relata que a maior ajuda vem de empresários e instituições privadas. Entre as doações, parte de um repasse de R$ 500 mil, feito pela Liga Nacional dos Atiradores Desportivos (Linade), e o auxílio do coordenador estadual da agremiação, João Correa. Essas contribuições permitiram que o grupo adquirisse donativos e levasse alguns dos resgatados até o município de Xangri-Lá, no litoral gaúcho, localizado a 110 quilômetros de distância de Canoas.
Para Sandro, a situação caótica ressaltou o cuidado que os cidadãos têm uns com os outros. No entanto, também escancarou a ineficiência de governantes e agentes que deveriam prezar pelo bem geral da população.
“Não tenho visibilidade, nem quero ter”, afirmou Sandro. “Apenas quero que parem de judiar tanto do nosso povo. Se não querem agir, deixem que os outros façam o que deve ser feito”
A burocracia estatal do Exército
A nutricionista Luciana Pacheco também relatou a Oeste as imposições burocráticas feitas pelo Exército em sua região. Para ela, a chegada dos militares apenas atrapalhou as ações de resgate, visto que os cidadãos já haviam se organizado entre si.
“O Exército impõe burocracia e acha que está organizando as ações, mas, na verdade, eles estão atrapalhando”, contou Luciana. “Antes, estávamos conseguindo nos organizar entre si para os resgates, mas agora estamos enfrentando muitas dificuldades.”
Quando o Exército chegou na região de Luciana, horas depois do início dos resgates, os soldados começaram a exigir a licença de arrais e bloquearam o acesso às áreas alagadas. Voluntários que chegavam de barco ou jet-skis não podiam entrar.
Até mesmo a chegada de combustíveis e mantimentos foi dificultada. Os militares proibiram o estacionamento de carros perto das regiões afetadas sob a alegação de que a presença destes atrapalhava o deslocamento de veículos anfíbios.
A voluntária classifica as ações dos soldados de maior patente como uma “disputa de ego”, pois muitas das ordens não possuem um motivo específico. “A sensação que temos é de que eles estão competindo entre si para ver quem manda mais na situação”, avaliou. “O Exército está desorganizado. Várias decisões deles não fazem o menor sentido. Como se isso já não bastasse, eles são grosseiros com quem tenta ajudar.”
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Entre as forças de segurança, Luciana afirmou que os agentes que mais estão empenhados em auxiliar o trabalho da população são os bombeiros e brigadistas. Ela também afirmou que, ao contrário do que está sendo noticiado, os relatos sobre a burocracia estatal são verdadeiros.