Eis um texto que pode alimentar discussões acaloradas. Por isso vou tentar deixar tudo explicado. E, antes de começar, destaco que sou um defensor dos EVs. Apesar de nunca ter dirigido um, adoro a ideia de estar num veículo silencioso, sem o barulho forte do motor. Mas voltemos.
A professora Adriana Marotti de Melo, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, coordena um negócio chamado Mobilab. É o Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade, da Universidade de São Paulo. Ou seja, ela é uma especialista no assunto.
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Pediram recentemente à professora que opinasse sobre o mercado de elétricos aqui no Brasil. Algo que parece engatinhar ainda, apesar do crescimento nas vendas da BYD nos primeiros meses deste ano.
Estamos muito atrás da China, por exemplo, que aposta na substituição dos veículos a combustão pelos elétricos puros – e eles estão bem adiantados nesse processo. Alguns países europeus seguem pelo mesmo caminho. Já os Estados Unidos abraçaram uma transição mais lenta, apoiada ainda por muitos modelos híbridos.
O Brasil? Bem, o Brasil engatinha, como já disse. Agora, segundo a professora, isso não é um problema necessariamente. Não deveria nem ser uma preocupação hoje em dia. Ela explica que nós poluímos menos que todos os outros citados acima. Isso mesmo se eles implantarem os veículos elétricos.
Quem polui mais?
Sim, pode reler a última frase do último parágrafo. Você pode estar se indagando: mas como um veículo elétrico, que não solta fumaça, polui mais que um carro nosso aqui do Brasil, que solta?
A resposta tem a ver com algo que se chama matriz energética. O etanol brasileiro polui menos que a gasolina. E não há como discordar disso. E, sim, um carro elétrico, movido a bateria, polui menos que um veículo que bebe etanol.
Mas de onde vem a energia para recarregar essa bateria? Eis o x da questão. Na Europa, a matriz energética vem, principalmente, do petróleo e do gás. Ou seja, você pode renovar mais da metade da sua frota, mas ainda assim vai continuar poluindo, em números gerais, mais do que o nosso etanol à base de cana-de-açúcar.
Seguindo nessa lógica, a nossa matriz energética é limpa – uma das mais limpas do mundo. Mais de 50% da eletricidade gerada no Brasil vem das hidrelétricas, ou seja, da força da água. Existe uma parcela significativa de petróleo nessa conta, mas é infinitamente menor do que na Europa.
Partindo da premissa ambiental apenas, sim, se toda a frota brasileira fosse elétrica, nós poluiríamos bem menos. Mas no mundo real o dinheiro manda, e isso pode ser adiado por um tempo. Ainda mais no Brasil, um país que está longe de ser considerado rico. E onde mais de 60% da população vive com até um salário mínimo por mês, segundo dados do IBGE.
O que a professora sugere
- Vale destacar que ela não é essencialmente contra os veículos elétricos.
- Mas não acha inteligente abrir mão de toda a estrutura que já construímos em torno do etanol.
- Sem contar que a própria tecnologia do álcool combustível pode ainda ser aprimorada.
- A professora defende que o nosso transporte público seja transformado em elétrico.
- Hoje, grande parte das cidades brasileiras têm ônibus circulando pelas ruas.
- E eles são movidos quase sempre a diesel, que polui mais que a gasolina.
- Segundo ela, trocar os ônibus por elétricos é mais fácil e mais barato do que trocar toda a frota de carros particulares.
- E iríamos poluir menos, gastando menos também.
- Para isso será necessário muito investimento público – e um conjunto de políticas próprias.
Como disse, vale um bom debate. Se quiser ler mais sobre o assunto, a Stellantis – gigante dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën – conduziu um estudo no ano passado que traz as mesmas ideias. E você pode ver os números que demonstram como o nosso etanol polui menos do que EV europeu. Você pode acessar a pesquisa neste link aqui.
As informações são do Jornal da USP.