quinta-feira, setembro 19, 2024
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“Bilhões” de bolas de golfe são perdidas todos os anos. Para onde elas vão?

Tiger Woods franze o rosto de frustração enquanto observa sua bola cair no Oceano Pacífico. A aberração momentânea é pouco mais do que uma nota de rodapé para o que será considerado por muitos como a maior performance na história do esporte.

A vitória impressionante de Woods com 15 tacadas no US Open de 2000, em Pebble Beach, Califórnia, mostrou um nível de maestria que talvez nunca seja igualado.

No entanto, Woods perdeu uma bola. Sua tacada curva no 18º buraco mergulhou cerca de 12 metros para se juntar a outras esferas brancas, rosas e amarelas espalhadas pelo fundo do mar em Stillwater Cove.

Se o número 1 do mundo e futuro vencedor de 82 torneios do PGA Tour perdeu uma bola para o meio ambiente no auge de seus poderes quase sobre-humanos, quantas bolas os milhões de golfistas mortais em todo o mundo perdem a cada ano?

A resposta rápida: muitas.

Um recorde de 45 milhões de pessoas jogaram golfe nos EUA em 2023, de acordo com a Associação de Golfe dos Estados Unidos (USGA, na sigla em inglês), e houve outros 31,6 milhões de golfistas registrados e não registrados em 146 países no ano passado, segundo a R&A.

Em 2019, os EUA ostentavam 43% dos campos de golfe do mundo, com 16.752. Ou seja, mais campos do que o número de lojas Starbucks ou McDonald’s em todo o país, e o cenário para um recorde de 531 milhões de rodadas de golfe em todo o país em 2023, segundo a Fundação Nacional de Golfe (NGF, na sigla em inglês).

Como qualquer amador que já pegou um taco sabe, as chances de terminar uma rodada com a bola com a qual você começou são pequenas.

Embora uma infinidade de fatores possa afetar essas probabilidades — principalmente habilidade e a topografia do campo —, as estimativas para o número de bolas perdidas por jogador em uma rodada variam geralmente entre uma e quatro.

O CEO da Found Golf Balls, Shaun Shienfield, cuja empresa recupera e revende milhões de bolas perdidas nos EUA e no Canadá a cada ano, disse à CNN que estimava uma média entre três e quatro por rodada.

Usando a estimativa baixa de Shienfield, isso é mais de 1,5 bilhão de bolas perdidas nos EUA a cada ano desde 2020. Se essas bolas fossem colocadas em fila, elas se estenderiam ao redor da circunferência da Terra mais de uma vez e meia.

Adicionando os golfistas do resto do planeta, o número de bolas perdidas poderia ser muito maior, de acordo com Torben Kastrup Petersen, gerente de campo da União Dinamarquesa de Golfe, que pesquisou o impacto ambiental das bolas perdidas.

“Embora estimativas globais precisas sejam desafiadoras, o número mundial poderia facilmente ultrapassar de 3 a 5 bilhões de bolas de golfe perdidas a cada ano”, disse Petersen à CNN.

O golfista espanhol Jon Rahm durante um torneio de golfe
Golfista Jon Rahm durante torneio • Twitter/Jon Rahm

Com campos presentes em 84% dos países do mundo, há poucos ambientes que não se tornaram alojamentos involuntários para uma tacada errada de um golfista.

Elas já aconteceram em todos os lugares, desde as planícies geladas da Groenlândia até as bordas vulcânicas do Havaí, e das montanhas da África do Sul, a 1.370 metros acima do nível do mar, até as águas cheias de baleias dos fiordes noruegueses.

Não é preciso um campo de golfe para perder uma bola. Em 2009, cientistas americanos que buscavam evidências do monstro do Lago Ness com um submarino ficaram impressionados ao fazer uma descoberta completamente diferente nas profundezas — dezenas de milhares de bolas de golfe.

Acredita-se que moradores e turistas usavam o lago escocês como uma espécie de campo de treino alternativo por anos. Submersas em lodo a cerca de 238 metros de profundidade, no leito preto do lago, não havia mais esperança de recuperar as bolas sem equipamentos e despesas extensivas.

Apaixonado por tudo que é marinho, o biólogo conservacionista Matthew Savoca estava finalizando seu doutorado em ecologia na Universidade da Califórnia, Davis, quando, em 2017, ele recebeu uma consulta científica detalhada de uma fonte improvável — uma estudante do ensino médio.

Alex Weber, uma aluna do terceiro ano do ensino médio de Carmel, pediu a Savoca, autor de vários artigos sobre o impacto da poluição plástica na vida marinha, seu conselho para o que ela havia encontrado enquanto praticava mergulho livre no Santuário Nacional Marinho da Baía de Monterey, perto de Pebble Beach.

De curiosidade aguçada, Savoca ficou impressionado quando Weber abriu as portas da garagem dos pais para apresentar o que ela havia encontrado: barris e mais barris transbordando de bolas de golfe.

Naquele ponto, no início de 2017, Weber e seu amigo Jack Johnston haviam coletado cerca de 10 mil bolas. Ao longo do próximo ano e meio, a dupla recrutou amigos e familiares para retirar mais quase 30 mil da costa e das águas rasas perto dos campos costeiros de Pebble Beach, Cypress Point e Carmel River Mouth.

Clube de golfe Tromsø na Noruega, com vista dos Alpes Lyngen e dos fiordes adjacentes • Cam Bauer/CNN

Alguns funcionários do mundialmente famoso campo de Pebble Beach se juntaram ao esforço, recordou Savoca, acrescentando cerca de 10 mil bolas, levando o total a 50.681 ou, como Savoca coloca, “surpreendentes” 2,56 toneladas de detritos plásticos — o peso de uma pequena caminhonete.

Os resultados foram compilados em um artigo revisado por pares que a equipe esperava que servisse como um modelo para enfrentar o problema em larga escala. Savoca estimou que só em Pebble Beach, até 186 mil bolas — ou 9,42 toneladas de detritos — acabam nas águas a cada ano.

“Se queremos que este problema seja mitigado, resolvido, o que precisamos é de um modelo: onde está a poluição, quanta poluição existe, quais são os métodos de coleta que funcionam e quais são as consequências se não fizermos a coleta?”, disse Savoca à CNN.

Essas consequências, diz Savoca, podem ser terríveis para focas e lontras-marinhas da Califórnia, que Weber observou brincando entre as ondas de bolas de golfe, assim como para inúmeras outras espécies — incluindo os seres humanos.

As bolas de golfe modernas são tipicamente compostas de um núcleo de borracha sintética (polibutadieno), revestido por uma cobertura de polímero sintético (elastômero de uretano).

Os fabricantes, explica Savoca, adicionam óxido de zinco, acrilato de zinco e peróxido de benzoíla aos núcleos para aumentar a flexibilidade e a durabilidade — substâncias “agudamente tóxicas” para a vida marinha.

Inteiras, as bolas representam pouco risco, mas à medida que se desintegram lentamente no fundo do mar, esses produtos químicos se juntam a minúsculas partículas de plástico que se espalham no oceano.

Essas partículas “ficam cada vez menores até que, eventualmente, entram na cadeia alimentar e chegam até nós”, explica Savoca. “Uma vez que as bolas de golfe se tornam esses fragmentos microscópicos, basicamente não há como limpá-las — elas ficam lá para sempre”, acrescentou.

Uma lontra marinha segura uma bola de golfe no Santuário Marinho Nacional da Baía de Monterey, na Califórnia • Alex Weber/Plastic Pickup

“Mas você tem uma oportunidade, quando os materiais ainda são grandes o suficiente para realmente recuperá-los, de prevenir um tipo de poluição que será impossível de lidar mais tarde, décadas ou até séculos a partir de agora”.

Savoca estimou que aproximadamente 28 quilos de detritos irrecuperáveis foram perdidos no mar das bolas que eles recuperaram perto de Pebble Beach. A popularidade dos campos de golfe costeiros em todo o mundo significa que, globalmente, esse número será muito maior.

Mitchell Schols, fundador da Biodegradable Golf Balls, com sede no Canadá, fez uma estimativa “muito conservadora” de que, na América do Norte, cerca de um milhão de bolas são perdidas nos oceanos anualmente.

Ele estimou que outras 100 mil bolas são perdidas no mar a cada ano em cada um dos cinco maiores mercados de golfe: Japão, Coreia do Sul, Inglaterra, Alemanha e Austrália.

Considere que os campos de golfe costeiros são vastamente superados em número por aqueles localizados no interior, e as implicações de bilhões de bolas dispersas no meio ambiente são quase difíceis demais para Savoca calcular.

“Só nos EUA, estamos falando de dezenas de milhares de toneladas desse tipo de detrito, todos os anos”, disse Savoca. “É realmente difícil compreender a magnitude”.

As descobertas de Savoca se basearam em testes de 2009 da União de Golfe da Dinamarca, que descobriram que as bolas de golfe liberam uma grande quantidade de metais pesados quando se decompõem, com níveis perigosos de zinco encontrados no preenchimento de borracha sintética usado nas bolas de núcleo sólido.

Os pesquisadores também concluíram que leva entre 100 e mil anos para que uma bola de golfe se decomponha naturalmente. O gerente de campo Petersen destaca a necessidade de “soluções em toda a indústria”.

Valentina Bossellmann, golfista brasileira
Golfista durante uma tacada em torneio • Foto: Thais Pastor/F2 Comunicação

“Abordar esse problema não é apenas gerenciar o desperdício, mas também mitigar impactos ecológicos mais amplos”, disse Petersen. “Os golfistas precisam ser mais conscientes sobre o impacto ambiental das bolas perdidas”, acrescentou.

Soluções potenciais surgiram nos últimos anos. Aproveitando uma lacuna no mercado, Schols lançou a Biodegradable Golf Balls para oferecer uma alternativa ecologicamente correta e “sem culpa” para golfistas que jogam perto ou na água.

Elas são feitas com um composto biodegradável ativado pela água, o que significa que as bolas se dissolvem dentro de quatro semanas após o contato com a água, liberando amido de milho não tóxico e álcool polivinílico (PVA), um polímero sintético solúvel em água, que também se desintegra.

Se deixadas em terra, as bolas podem levar entre um e dois anos para se decompor naturalmente, acrescentou Schols.

O mercado-alvo da empresa inclui resorts costeiros e eventos, proprietários de barcos e navios de cruzeiro, mas não o golfista comum.

A falta de um núcleo de borracha contribui para uma perda de distância de cerca de 30% em comparação com a bola típica, explicou Schols, o que significa que as bolas são mais adequadas para usos como acertar alvos próximos ou na água.

É uma história semelhante com a Albus Golf, uma fabricante espanhola de bolas de golfe que projetou a Ecobioball e a Ecocoralball, que se dissolvem ao entrar em contato com a água para liberar alimentos para peixes e corais, respectivamente, dentro de 48 horas.

Sua vida útil de “uso único” e a queda no desempenho limitam severamente sua adoção entre jogadores regulares.

Schols está surpreso que empresas maiores ainda não tenham colocado no mercado uma bola biodegradável de alto desempenho para uso sustentável. Atualmente, trabalhando em uma versão própria, ele está otimista de que grandes marcas logo seguirão esse caminho.

“É apenas uma questão de tempo até vermos muitas dessas grandes empresas de golfe entrarem e começarem a colocar o aspecto da sustentabilidade de seus negócios em primeiro plano para o consumidor”, disse Schols.

As bolas biodegradáveis ​​de Schols são projetadas para serem jogadas perto da água • Biodegradable Golf Canada Inc

Até lá, a melhor solução pode ser a mais óbvia, um mantra de cinco palavras que Savoca acredita que resolveria vários tipos de poluição: “Apenas limpe sua própria bagunça”.

Muitos já fazem isso. O modelo de negócios da Found Golf Balls atesta que “perdido” não significa necessariamente “irrecuperável”. O CEO Shienfield estima que, nos EUA, 150 milhões de bolas são recuperadas do meio ambiente e recicladas por empresas como a dele a cada ano.

De acordo com a definição da USGA e da R&A, uma bola é considerada “perdida” se não for encontrada dentro de três minutos após o início da busca do jogador ou do caddie.

Isso oferece uma grande janela de tempo para que muitas sejam recuperadas mais tarde, seja pelo jogador, por funcionários do clube ou até por um bom cidadão — um homem e seu cachorro coletaram mais de 6 mil bolas durante um esforço de cinco anos em Londres.

Uma indústria global de recuperação representa um alívio potencialmente substancial no acúmulo de bolas perdidas. Um homem do Reino Unido disse à CNN em 2015 que poderia ganhar até £100 mil anualmente mergulhando para recuperar bolas de golfe dos lagos dos campos de golfe.

Um conjunto de 12 bolas Titleist Pro V1 de 2023, em condição quase nova (com pequenas marcas ou arranhões superficiais), atualmente é revendido por US$ 23,99 no site da Found Golf Balls.

Alguns fabricantes também estão fazendo esforços para recuperar bolas. De acordo com o site da Titleist, sua subsidiária PG Golf recuperou e revendeu mais de 39 mil toneladas de bolas de golfe usadas desde sua fundação em 1992, reciclando mais de 40 milhões de bolas por ano em campos de golfe em 43 estados, colocando produtos de borracha, surlyn e uretano “de volta ao jogo”.

Silhueta de Xander Schauffele (EUA) com sua bola e os anéis olímpicos no torneio de golfe em Tóquio
Bola de golfe e os anéis olímpicos no torneio de golfe em Tóquio • Andy Wong – 1.ago.2021/AP

Muitos campos operam seus próprios sistemas internos de recuperação. O TPC Sawgrass, por exemplo, contrata mergulhadores profissionais para ajudar a recuperar algumas das 120 mil bolas que anualmente caem nas águas ao redor do famoso buraco 17, par 3, em formato de ilha, no campo da Flórida.

Pebble Beach iniciou um programa de recuperação de bolas de golfe “de forma séria” em 2017, disse um porta-voz do Pebble Beach Resorts à CNN.

Eles colaboram regularmente com mergulhadores profissionais para recuperar bolas do mar, além de coletá-las nas áreas costeiras e nas praias, complementado por regras que proíbem os golfistas de bater propositalmente bolas no oceano.

“Nossos esforços de coleta fazem parte de um programa abrangente para sermos grandes administradores ambientais em todo o resort, tanto dentro quanto fora do campo de golfe”, acrescentou o porta-voz.

“Pebble Beach Resorts está situado em um dos cenários mais espetaculares, não apenas do golfe, mas do mundo, e estamos comprometidos em preservar a beleza e a saúde do nosso ambiente natural para as próximas gerações”.

Esses esforços ajudam a reduzir o número crescente de bolas perdidas — mas o quanto isso realmente afeta, afirma Savoca, depende de boa vontade.

“Não estou aqui para dizer que o golfe não deveria existir ou que as pessoas não deveriam jogar golfe”, disse ele, “mas apenas tente fazer o seu melhor para limpar a bagunça”.

Via CNN

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