Ela já foi chamada de “Indiana Jones das mulheres” e, após se tornar a primeira mulher a percorrer todo o rio Draa, no Marrocos, a exploradora britânica Alice Morrison embarca em um novo desafio: cruzar a Arábia Saudita a pé.
Acompanhada por camelos e guias locais, Morrison enfrentará desertos e montanhas ao longo dos 2.500 quilômetros da jornada, que deve durar cerca de cinco meses.
Uma expedição histórica
“É uma aventura gigantesca”, conta Morrison, que caminha cerca de 25 quilômetros por dia, em entrevista ao CNN Travel via Zoom. “Busco desafios, conhecimento e conexão. E acho que consigo tudo isso fazendo o que faço.”
Apesar de ser fluente em árabe, Morrison admite que sua trajetória não é a de uma exploradora típica. Até 2011, ela trabalhava como CEO de uma empresa de desenvolvimento de mídia.
“Sinto que já vivi várias vidas”, diz ela, lembrando como decidiu se inscrever no Tour d’Afrique, uma corrida de bicicleta de 12 mil quilômetros pelo continente africano, depois de uma série de eventos que a levaram a largar o emprego.
A partir daí, não parou mais: participou da Marathon des Sables, conhecida como “a corrida mais difícil do mundo”, e atravessou o deserto do Saara.
“Saí da corrida dos ratos para uma corrida de bicicleta e nunca mais olhei para trás”, brinca.
Embora nunca tenha se considerado uma atleta, a paixão por aventuras sempre esteve presente. Durante suas férias, costumava fazer viagens radicais, como mountain bike na Guatemala e escalada no gelo no Peru.
“É curioso, porque eu não sou realmente esportista”, admite Morrison. “Mas amo aventura e estar ao ar livre. Então, o lado esportivo acaba tendo que me acompanhar meio que à força.”
Sua expedição na Arábia Saudita, que pode torná-la a primeira pessoa registrada a percorrer essa rota específica, é um sonho que vem sendo cultivado há décadas.
“Quando eu tinha 11 anos, meu pai me deu o livro Arabian Sands, de Wilfred Thesiger”, lembra ela, contando como a história de um inglês atravessando o deserto do Empty Quarter a marcou profundamente.
“A grandiosidade do desafio ficou comigo. Sempre quis explorar a Arábia Saudita, porque estudei árabe na universidade. Então, aqueles primeiros sinais nessa direção acabaram se concretizando.”
Por muito tempo, essa ideia parecia inviável, mas tudo mudou quando o país começou a receber turistas em 2019. Com a nova abertura, Morrison percebeu que poderia finalmente realizar esse sonho e começou a buscar patrocínios e especialistas para ajudar no planejamento da rota.
“Algumas pessoas dizem: ‘Ah, exploração é algo ultrapassado, um conceito colonial’”, reflete. “E eu entendo perfeitamente esse argumento.
Mas acredito que explorar, hoje, tem um significado muito diferente. Para mim, trata-se de trabalhar com as pessoas do país que estou visitando, aprender sobre elas e compartilhar suas histórias. É isso que me motiva.”
Devido ao clima extremamente quente e ao fato de que o Ramadã começará no final de fevereiro, Morrison dividiu a expedição em duas etapas.
Novas descobertas
“A Arábia Saudita tem sido absolutamente fascinante”, diz ela. “As paisagens são incríveis e muito variadas.”
Desde que começou a jornada, Morrison já encontrou dois conjuntos de petróglifos — desenhos rupestres de antílopes esculpidos em rochas — e duas antigas machadinhas de pedra.
“O incrível de fazer viagens longas e lentas é que você caminha, caminha e caminha… e então chega lá”, conta, lembrando momentos marcantes como ser pega em uma correria de camelos e observar a lua mudar de crescente para cheia.
Além de buscar novos vestígios históricos, ela também está registrando impactos das mudanças climáticas ao longo do trajeto e seguindo antigas rotas de caravanas.
Dormindo em uma barraca reforçada para o inverno, Morrison foi recebida com muita hospitalidade pelos moradores locais.
“É emocionante”, diz, descrevendo como vilarejos inteiros têm organizado grandes recepções para recebê-la e como motoristas param seus carros para lhe oferecer água, comida e palavras de incentivo enquanto ela caminha.
“A generosidade das pessoas… O carinho enorme com que sou recebida em todos os lugares é algo muito especial”, afirma.
Apesar das experiências incríveis, a viagem tem sido fisicamente desafiadora. Desde o primeiro dia, Morrison enfrenta bolhas nos pés que só pioram com o passar dos quilômetros.
“Elas ficaram cada vez piores”, confessa. “E como estou caminhando 25 quilômetros por dia, elas não têm tempo para cicatrizar.
Então, estou me entupindo de analgésicos, enfaixando os pés o melhor que posso e simplesmente seguindo em frente.”
Um país em transformação
A Arábia Saudita, historicamente criticada pelas restrições às mulheres, tem passado por mudanças significativas nos últimos anos. Em 2018, foi revogada a proibição de mulheres dirigirem. No ano seguinte, elas conquistaram o direito de obter passaportes e viajar sem precisar da autorização de um guardião do sexo masculino.
Para Morrison, conectar-se com as mulheres sauditas ao longo do caminho é um dos aspectos mais importantes da expedição. Ela está especialmente interessada em ouvir seus sonhos e aspirações.
“Tenho um superpoder como exploradora: ser mulher”, disse ela em um comunicado antes de iniciar a viagem.
“A visão que o Ocidente tem das mulheres sauditas é muito limitada. Como exploradora feminina, tenho uma oportunidade única de passar tempo com elas e contar suas histórias.”
Ela recorda com carinho um encontro recente com uma jovem saudita que expressou seu desejo de fazer parte das mudanças que vêm acontecendo no país.
“Muitas mulheres sauditas viajaram para o exterior”, destaca Morrison, lembrando que elas representam pelo menos metade dos estudantes universitários na Arábia Saudita.
“As coisas estão mudando rapidamente para elas. É um momento fascinante para estar aqui, conhecer essas jovens e ouvir seus sonhos.”
No momento em que este texto foi escrito, Morrison havia chegado a AlUla, uma antiga cidade-oásis localizada na província de Medina. Ela já conhecia a região, pois havia visitado o local durante as filmagens do programa da BBC *Arabian Adventures: The Secrets of the Nabateans*, e estava entusiasmada por retornar a um lugar habitado há mais de 2.000 anos.
“É um verdadeiro museu a céu aberto”, diz Morrison. “Os nabateus e os dadanitas passaram por aqui para comercializar suas mercadorias.
Então, quando eu entrar em AlUla com meus camelos, estarei literalmente seguindo os passos de comerciantes que percorreram esse mesmo caminho séculos atrás.
E eu adoro essa ideia, a de estar repetindo algo que as pessoas faziam há tanto tempo.”
A previsão é que Morrison chegue a Madinah em 14 de fevereiro, pouco antes do início do Ramadã, encerrando assim a primeira etapa da expedição.
Na segunda fase da jornada, que começará ainda este ano, ela seguirá de Madinah até a costa e depois rumo ao sul. Assim, passa por Rijal Almaa e pelo santuário de vida selvagem Uruq Bani Ma’arid, antes de finalizar a caminhada nos arredores de Najran, próximo à fronteira com o Iêmen.
“O meu verdadeiro objetivo é compartilhar tudo o que estou vendo, ouvindo e descobrindo”, explica. “Então, se alguém me acompanha, seja lendo ou assistindo ao que publico, espero que sinta que está um pouco nessa aventura comigo.”
Morrison vem registrando sua jornada em redes sociais como Instagram e TikTok, incentivando as pessoas a visitarem a Arábia Saudita e verem o país com seus próprios olhos.
“Gostaria que elas se inspirassem na beleza de outro país”, diz ela. “Porque sabemos que existe um estereótipo negativo sobre a Arábia Saudita.”
A exploradora, que enfatiza que “não teria conseguido fazer isso aos 25 anos”, pois precisava da experiência de vida que acumulou até hoje, também espera motivar outras pessoas na busca por aventuras, independentemente do tamanho do desafio.
“Aventura pode ser algo muito simples”, reflete. “Pode ser sair para uma caminhada ou fazer algo fora da rotina. Tudo pode se tornar uma aventura, desde que você tenha a atitude certa.”