Pela primeira vez na história, todas as novelas da TV Globo têm protagonistas negras. As atrizes Gabz, 25, Jessica Ellen, 32, e Duda Santos, 23, representam um marco de visibilidade na dramaturgia brasileira, estrelando simultaneamente as produções “Mania de Você”, “Volta por Cima” e “Garota do Momento”.
O momento histórico, que coincide com o mês da Consciência Negra, marca a conquista de uma narrativa mais plural, mas também é visto por alguns artistas como um avanço que veio tarde, considerando que a população negra no Brasil já representa mais da metade da população, com 55,5% segundo o Censo do IBGE de 2022, e que a primeira novela da emissora foi transmitida há 73 anos.
Taís Araújo, que foi pioneira ao protagonizar a novela “Da Cor do Pecado” em 2004, comemorou o momento histórico nas redes sociais, celebrando que, 20 anos depois, três novelas da Globo têm protagonistas negras.
Ela compartilhou a felicidade de ver o avanço, destacando figuras como Ruth de Souza, Zezé Mota e Léa Garcia, que abriram caminho para as novas gerações, estariam orgulhosas ao ver Duda, Jéssica e Gabz “brilhando” na telinha, como reflexo de uma luta por mais representatividade.
“Hoje, se permite comemorar o momento e aplaudir a continuação dos sonhos das ancestrais. Suas sementes germinaram e os frutos estão em toda parte”, escreveu Taís, celebrando o legado de mulheres como elas.
Visão de artistas negros sobre o marco histórico
Em entrevista à CNN, alguns artistas questionaram o quão tarde esse avanço veio. Juan Paiva, 26, conhecido por seu papel como João Pedro em “Renascer”, afirmou que, embora seja importante que as oportunidades estejam surgindo, a mudança ainda está vindo tarde demais.
“Estamos evoluindo, sim, estamos dando um passo de cada vez […] Eu acho que a gente está tomando um espaço que já era nosso. Que bom que está acontecendo, mas eu acredito que é tarde, está sendo tarde, mas que bom que está acontecendo, estamos caminhando”, opinou o ator.
Cris Vianna, 47, que tem uma longa carreira na Globo e recentemente fez sucesso em “Família É Tudo”, também celebrou a conquista, mas com uma visão crítica. Ela enfatizou que a qualidade, beleza e talento sempre estiveram presentes na raça negra, e que essa vitória é fruto de uma luta de décadas.
“Essa vitória já vem de um grande caminho atrás. Estamos hoje celebrando uma conquista que já tem sido pedida há muitos anos”, disse ela à CNN, destacando que a luta por igualdade e representatividade precisa continuar.
Jessica Ellen, por sua vez, compartilhou sua própria trajetória de identificação com Taís Araújo, mencionando como, quando criança, ela se via nas novelas da atriz. Para ela, o aumento da representatividade é um reflexo de uma luta histórica que agora está sendo ampliada.
“A minha maior referência de atriz preta era a Taís Araújo. Eu assistia várias novelas dela. ‘Da Cor do Pecado’, na época dessa novela, meu apelido na escola virou Preta. Depois, ela fez ‘Cobras e Lagartos’, que o personagem dela era Ellen, que é o meu nome, então tem uma identificação direta. Ela era minha maior referência”, disse Jessica à reportagem.
“O discurso anterior era que não existiam atrizes negras. Na verdade, não existia oportunidade para a gente mostrar o nosso trabalho e estar à frente dos projetos. Então, acho que a gente está vivendo um momento muito positivo”, disse Jessica.
Gabz, que também se inspira em Taís Araújo, vê o atual protagonismo negro como um passo importante para as futuras gerações. Para ela, o fato de três mulheres negras estarem protagonizando novelas em horários de destaque é um sinal de que as coisas estão se movendo na direção certa.
“Ver mulheres negras ocupando esses espaços de protagonismo é um sinal de que estamos caminhando na direção certa. A mudança está acontecendo”, comentou.
Protagonismo negro na Globo
Embora a Globo tenha começado a dar mais visibilidade aos atores negros nas últimas décadas, a realidade do país, com 56% da população se declarando preta ou parda, nunca foi devidamente refletida nas telas.
Segundo estudos da UERJ, entre 1994 e 2014, apenas 10% dos personagens principais eram interpretados por atores negros. Mesmo nos anos 1990, grandes novelas como “Rei do Gado” (1996) não contavam com atores negros no elenco principal.
Em 2023, a presença de negros em papéis de protagonismo aumentou consideravelmente, com atores como Barbara Reis e Sheron Menezzes à frente de novelas como “Terra e Paixão” e “Vai na Fé”. Mas foi em 2024, com a estreia de “Garota do Momento”, “Volta por Cima” e “Mania de Você”, que o protagonismo negro atingiu o marco inédito.