Existe uma premissa básica quando o assunto é eleição municipal: o voto em geral se explica menos pela ideologia e mais pelo dia a dia do eleitor.
Das grandes obras viárias a programas de alimentação popular, do buraco de rua aos corredores de ônibus, de um grande projeto educacional à proibição de outdoors, tudo isso tem potencial para decidir o jogo na disputa por uma prefeitura. Mas não é isso que guia as estratégias de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) neste ano eleitoral.
Há um esforço evidente para dar sobrevida à polarização herdada da corrida presidencial de 2022.
Ambos agem, claro, para explorar seu potencial de transferir votos e dar mais chance de vitória aos seus respectivos candidatos.
Mas há também um claro movimento para sustentar o confronto até 2026. Em algumas capitais, essa espécie de terceiro turno vem tomando forma até mesmo contra a vontade de candidatos e estrategistas das campanhas, que preferiam o petista e seu antecessor pedindo votos e não brigando entre si.
E a explicação é simples: Lula e Bolsonaro tiram grande parte de sua força dessa dinâmica de arqui-inimigos.
“Não há muito como escapar do confronto”, disse à CNN o senador Humberto Costa, coordenador do Grupo de Trabalho Eleitoral do PT. “Vamos ter que puxar as realizações do governo federal para recuperar espaço. Não vai ser uma eleição só sobre os problemas locais”, prossegue o dirigente.
O quadro de candidaturas ainda não está claro em todas as capitais. Mas o que se vê até o momento é que alguns dos confrontos mais importantes entre Lula e Bolsonaro se darão de maneira indireta.
Parte disso se deve ao fato de o PT ter decidido abrir mão da cabeça de chapa em diversas cidades em nome de alianças que apresentem mais chances de vencer. À direita, o jogo é outro: multiplicar candidaturas, para aproveitar o capital político que ainda resta ao ex-presidente.
Essa premissa fica evidente, por exemplo, em São Paulo. Na maior cidade do país, Lula já verbalizou que encara a corrida como um embate dele próprio com Bolsonaro.
O petista apoia Guilherme Boulos (PSOL) sabe da importância de ter o apoio do PT. Mas tem como um de seus maiores desafios ganhar o eleitor de centro e, para isso, o discurso radicalizado não contribui.
Na outra ponta, Bolsonaro vem agindo há meses para puxar para a direita a candidatura do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que seguia dando claros sinais de resistência a esse movimento.
Nos últimos dias, numa clara reação a Lula, o bolsonarismo mudou o discurso e passou a prometer campanha de centro-direita. “Lula e o Boulos já perceberam que serão derrotados pelo Nunes, buscam arrumar elementos e ruídos para distrair o eleitorado de São Paulo”, disse o ex-chefe da Secretaria de Comunicação de Bolsonaro Fábio Wajngarten.
No Rio de Janeiro, o quadro eleitoral na cidade balançou nos últimos dias, com a operação da Polícia Federal que investiga a suposta “Abin Paralela”.
Ao alcançar diretamente o pré-candidato e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), a ação acabou criando um clima de apreensão na disputa local. Tudo dependerá da evolução das investigações, mas o plano segue sendo contrapor Ramagem e a família Bolsonaro à dupla formada por Eduardo Paes (MDB) e Lula.
Em cidades como Belo Horizonte, o bolsonarismo tem a vantagem de largar na dianteira. Bruno Engler (PL) surge como favorito nas últimas pesquisas, enquanto o PT trabalha para ampliar o leque de alianças de Rogério Correia (PT).
Lula será fundamental nessa negociação, já que uma união de candidaturas de esquerda poderia reverter o atual cenário. Será preciso convencer Fuad Noman (PSD), Duda Salabert (PDT) e Bella Gonçalves (PSOL) a saírem do páreo.
No Recife, diante da já esperada composição do PT com o prefeito João Campos (PSB), Bolsonaro apresentou seu ex-ministro do Turismo Gilson Machado (PL) para a disputa.
Ali, o partido de Lula entra com forte pragmatismo na aliança, uma vez que Campos pode deixar a prefeitura para concorrer ao governo pernambucano em 2026. Daí o esforço pessoal de Lula para emplacar um vice petista.
Em algumas capitais, será possível enxergar com mais clareza o quadro polarizado. Em Goiânia, por exemplo, onde Daniela Accorsi (PT) se contrapõe a Gustavo Gayer (PL).
O que não quer dizer que o confronto também não esteja presente de maneira velada, como acontece em Porto Alegre (RS). Ali, o prefeito e favorito Sebastião Melo (MDB) declarou apoio a Bolsonaro, embora insista que não é “bolsonarista”.
Mas a associação com o ex-presidente certamente entrará no discurso de Maria do Rosário (PT), que se tornou um dos símbolos da oposição feminina ao bolsonarismo na esquerda.
Compartilhe: