(Entrevista publicada com a aliada de María Corina, da oposição da Venezuela, em 5 de abril de 2024 na Edição 211 da Revista Oeste)
Não tão conhecida fora do mundo acadêmico até pouco tempo atrás, Corina Yoris hoje ocupa posição de destaque na política da Venezuela ao lado de María Corina Machado. Há algumas semanas, a professora de 80 anos recebeu a missão de representar o bloco oposicionista a Nicolás Maduro na eleição deste ano. O pedido via telefonema veio da própria líder da oposição, escolhida pela maioria da população nas primárias para disputar a Presidência contra o ditador, mas que ficou inelegível por 15 anos depois de uma decisão proferida pela “Justiça Eleitoral” controlada pelo chavismo.
Embora sem restrições na Justiça, Corina Yoris não conseguiu registrar sua candidatura no “TSE” da Venezuela, por um impedimento do sistema. Quando o software voltou a funcionar, a oposição inscreveu outra chapa de candidatos, a qual não é, porém, unanimidade no grupo. Ela tem a esperança de, no próximo dia 20, fazer a mudança, visto que a data permite uma espécie de “janela partidária”.
Admiradora da cultura brasileira, a aliada de María Corina na Venezuela tem em casa muitas peças de artesanato que comprou aqui quando veio a turismo. Ela também torce pela nossa seleção e já teve um gato chamado Pelé. O apreço pelo esporte de nosso país é o mesmo pela política. Por isso, não passou despercebida uma declaração de Lula durante uma coletiva de imprensa ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, há alguns dias, no Palácio do Planalto. O petista considerou “grave” o fato de Corina Yoris não ter concretizado o registro de candidatura em tempo hábil de modo a enfrentar a ditadura. “A fala foi muito importante, sobretudo porque Lula é próximo de Maduro e, há algumas semanas, se referiu a María Corina de uma forma pejorativa, o que não pegou bem”, observou a integrante da oposição da Venezuela.
Graduada em filosofia e letras, e doutora em história, Corina disse que não vai deixar a política de lado, independentemente do desfecho da disputa eleitoral. Uma de suas bandeiras é ajudar a consertar os estragos do chavismo na economia. “Temos profissionais qualificados atuando na informalidade, seja vendendo comida feita em casa, seja comercializando mercadorias na rua”, contou a professora universitária. “Sobre a política, é uma estrada com muitos caminhos, porém estarei neles para seguir o meu objetivo.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
María Corina está inabilitada, e a senhora não conseguiu se registrar a tempo na Justiça Eleitoral. Portanto, os dois principais nomes da oposição não estão na disputa contra Maduro. O que fazer agora?
Estamos lutando por duas coisas: a primeira é que eu possa ser registrada em nossa “Justiça Eleitoral” para disputar a Presidência contra Maduro. A outra é a reabilitação política de María Corina. Se alguma dessas duas coisas ocorrerem antes do dia 20 de abril, a substituição do atual candidato da oposição, o ex-diplomata Edmundo González, poderá ser feita com tranquilidade. O nome dele não é consenso entre nós. Contudo, foi quem conseguimos inscrever na ocasião, em virtude dos entraves enfrentados. Sou a candidata do grupo de partidos que apoia nossa causa. Fui eleita por unanimidade.
Ainda há chances de uma eleição justa na Venezuela?
Não sei se dá para dizer que serão justas. Isso porque os obstáculos que nos foram colocados ao longo de todo esse tempo sempre podem semear muitas dúvidas, principalmente nos eleitores. Mas lutar contra isso faz parte da batalha que decidimos enfrentar. Sempre soubemos que não seria fácil. Da nossa parte, queremos um processo livre, democrático e transparente. É importante ressaltar que, apesar de tudo o que está acontecendo, as investidas do regime não nos imobilizaram. Não jogamos a toalha nem desistiremos. Estamos trabalhando incansavelmente para tornar viável uma candidatura alternativa à de Nicolás Maduro.
De que modo a senhora vê a declaração do presidente Lula, durante uma coletiva com o presidente francês Emmanuel Macron, sobre ser “grave” o fato de o regime chavista não ter permitido a candidatura da oposição?
Muito importante, sobretudo porque ele é próximo de Maduro e, há algumas semanas, se referiu a María Corina de uma forma pejorativa, o que não pegou bem. Portanto, um posicionamento político-diplomático que destoe desse contexto é bom. Ao se manifestar dessa forma, Lula dá sinais de que é um homem que acredita em princípios democráticos, os quais estão sendo atropelados no meu país. A fala parece indicar também que Lula e outros líderes democráticos da América do Sul estão cansados da crise na Venezuela, que tem aumentado, ocasionando um grande êxodo migratório no continente. Acredito que o problema precisa ser resolvido na origem, ou seja, na própria Venezuela. As pessoas saem dela não porque querem, mas por não terem condições de viver de forma digna. É evidente que isso está incomodando.
Suponha-se que a senhora se registre e vença as eleições. O que virá depois?
A primeira medida vai ser a libertação dos presos políticos. Em seguida, continuaremos lutando para tornar María Corina elegível novamente. Embora essas sejam as primeiras de muitas ações a serem tomadas, penso que, mais importante que falar sobre o sistema de Justiça, é fazer a Venezuela retornar à sua origem democrática, com plena separação dos Poderes, por ser esse um dos elementos que constituem uma nação séria, que queremos voltar a ser.
Na hipótese de vitória da oposição, Maduro seria julgado?
Penso que não podemos assumir o papel de vingadores. Entendo que a Justiça tem de proporcionar a quem quer que seja o chamado “devido processo legal”. Isso implica o réu ter o direito à ampla defesa e à possibilidade de apresentar todos os seus argumentos perante os juízes. Esse é um dos elementos que eu enfatizo.
“A preocupação excessiva com a falta de dinheiro acaba tirando o foco da nossa gente da raiz do problema desta crise humanitária que é a política”
Os Estados Unidos estão apoiando a oposição na Venezuela?
Os EUA nos apoiaram em muitos momentos. O que temos feito é pedir a eles uma linguagem diplomática mais eficaz, no sentido de pressionar Maduro para que haja eleições, e que elas sejam verdadeiramente livres e democráticas.
A situação econômica da Venezuela é ruim há anos. O que as famílias têm feito para sobreviver?
Acho que contam com a ajuda de milagres. Com exceção dos que estão diretamente ligados ao regime chavista, todos aqui passam por dificuldades. Quando dizemos no exterior que um professor universitário na Venezuela ganha US$ 21 (cerca de R$ 106) por mês, as pessoas pensam que estamos mentindo. Geralmente, um venezuelano faz pequenos trabalhos aqui e acolá para juntar dinheiro e comprar o básico no fim do mês para sua família. Temos profissionais muito qualificados atuando na informalidade, seja vendendo comida feita em casa, seja comercializando mercadorias na rua. Eles sobrevivem de alguma forma. Essa situação humilhante prejudica várias partes da vida de uma pessoa, inclusive a cidadania. A preocupação excessiva com a falta de dinheiro acaba tirando o foco da nossa gente da raiz do problema desta crise humanitária que é a política.
Como a Venezuela chegou a essa situação?
Durante anos, as instituições foram golpeadas, enquanto indústrias e empresas eram confiscadas pelo governo. Atualmente, se vamos a um shopping, vemos com tristeza muitas lojas, que antes eram prósperas, fechadas. O regime foi tornando o sistema econômico centralizado e as pessoas cada vez mais dependentes dele. Também a indústria petrolífera acabou afetada de forma negativa, não podendo dar lucros como no passado.
A esquerda está enfraquecida na América Latina?
Tenho uma objeção séria às categorias de esquerda e direita. Para mim, a pessoa está a serviço do Estado ou de projetos econômicos liberais. Algo, contudo, precisa ser observado: o chamado socialismo do século 21, tão falado no meu país e em outras nações do mundo, não entregou aquilo que prometeu quando chegou. Na Venezuela, o contraste entre a pobreza e a riqueza é muito visível, diferentemente dos demais países da América Latina. A proliferação de favelas em Caracas é espantosa. Portanto, nesse pensamento da esquerda e adotado por seus representantes, os problemas reais não são resolvidos.
Qual avaliação a senhora faz da promessa de Maduro de invadir o Essequibo?
O território do Essequibo está envolvido em uma disputa muito antiga. Sobre isso, penso que o melhor caminho é o da lei, com a sustentação de advogados e a apresentação de documentos com evidências de que aquelas terras são, de fato, propriedade da Venezuela.
Como a senhora entrou na política e conheceu María Corina? Pretende continuar nesse caminho?
Nunca estive desconectada da política, embora minha origem seja acadêmica, escrevendo artigos científicos e textos para a imprensa. Mas, em 2022, entrei na parte prática da coisa ao participar da Comissão Nacional de Primárias, que organizou as eleições de 22 de outubro passado. Nesse ínterim, acabei me aproximando mais de María Corina. Quando recebi a ligação recente dela propondo o desafio de substituí-la na eleição, atendi de imediato. Continuarei na política. É uma estrada com muitos caminhos, porém estarei neles para seguir o meu objetivo.