O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta segunda-feira (26) que o ofício da Corte “exige desagradar” e que, se o tribunal não fosse tão questionado, seria um sinal da sua “irrelevância”.
Segundo o ministro, que tomou posse na Corte na última quinta-feira (22), parte dos que imputam ao Supremo uma atuação “ativista” queria instrumentalizar o tribunal para seus próprios fins políticos.
“Quando se diz ‘o STF é ativista ou tem judicialização da política, se mete demais na política’, esse debate não é exclusivamente brasileiro”, afirmou.
“E muitos, ou alguns dos que dizem isso, na verdade, gostariam de um STF para chamar de seu. Não é que eles querem fechar o STF, eles querem instrumentalizar o STF para seus propósitos. Se o STF ou qualquer tribunal for instrumentalizado por posição política, ele perdeu o sentido de existir.”
“Nosso ofício exige desagradar. Quando o Supremo controla o funcionamento de outras instituições, as instituições controladas, públicas ou privadas, reagem, e se estabelece uma polêmica”, afirmou Dino.
A declaração foi feita em palestra no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília, direcionada aos novos estudantes de direito e relações internacionais. Decano do STF, o ministro Gilmar Mendes –fundador e professor na instituição, também participou.
Conforme o novo ministro, não há insatisfação sobre a atuação do STF, mas sim em relação a “certos conteúdos” que a Corte mantém.
“No fundo, ninguém quer ser controlado, perder seu ponto de vista”, disse. “Se não houver controvérsia, é um mau sinal. Se o Supremo não fosse tão questionado, era sinal de irrelevância, e não cabe a nenhuma instituição a renúncia de seu papel por conta de gritos alheios. Cada um tem que cumprir seu papel e dialogar sempre.”
Em sua fala, Dino tratou de temas relacionados a sua experiência como governador do Maranhão e ministro da Justiça. Ele disse que o sistema de governança global já mostrou limites e citou como exemplos a pandemia de Covid-19, as ferramentas de inteligência artificial (IA) e as mudanças climáticas.
“Num certo sentido, a pandemia mostrou insuficiências das ferramentas que dispomos hoje. A mudança climática mostra isso, e a inteligência artificial, que não comporta resposta nacional, é o tema talvez mais grave nesse momento da humanidade”.
“Temas como pandemia, mudança climática, inteligência artificial, comportam solução jurídica nacional? Não. E aí realmente vimos na pandemia que o atual sistema jurídico internacional não dá conta dos desafios cruciais para a trajetória da humanidade”, declarou.
Além de classificar a IA como “o tema talvez mais grave” no momento para a humanidade, Dino disse que a tecnologia “pode determinar o fim de profissões inteiras se não houver uma normatividade que seja supranacional” e que garanta “algum tipo de governança”.
“Daqui a pouco haverá ferramentas de inteligência artificial que virarão poetas, compositores e juristas e estagiários”, afirmou. “Se você alimenta um sistema de textos, daqui a pouco quem fará as minutas dos nossos votos não serão nossos assessores, serão as ferramentas, que pesquisarão os procedentes.”
Outro exemplo que o magistrado citou foi o combate ao crime organizado, que atravessa as fronteiras dos países.
“As organizações criminosas nacionais e transnacionais mudam a configuração da atividade delituosa no Brasil e respostas que sejam de cada estado não dão conta mais de enfrentar esse poderio gigantesco que transcende fronteiras nacionais.”
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