Parece-me que, mais uma vez, encontramos falhas morais — com o perdão da proximidade fonética de nomes — nas atuações de Moraes. O que me faz lembrar de um amigo do colegial que, durante as aulas de filosofia, sempre me recomendava: “Se faltar assunto, ou não vislumbrar a resposta correta, invente”. A doce tentação da mentira para se desvencilhar de um problema, ou obter uma vantagem, quem nunca.
Moraes, por ocasião das últimas eleições presidenciais, por meio do juiz instrutor do gabinete no TSE, Airton Vieira, pediu que Eduardo Tagliaferro — que então comandava a Assessoria Especial à Desinformação — usasse a sua “criatividade rsrsrs” para incriminar a Revista Oeste como “uma mídia golpista”, mesmo depois de Tagliaferro dizer que encontrou somente “publicações jornalísticas” na matéria usada por Vieira. Valendo-se de tal texto, além Oeste, buscava-se incriminar também Eduardo Bolsonaro, por associação a Fernando Crimedo, o argentino que havia feito denúncias às urnas eletrônicas em 2022 em meio ao pleito eleitoral. “Quando não vislumbrar resposta, invente”.
Muito já foi dito sobre isso em diversos meios, inclusive aqui na Oeste — recomendo especialmente o texto do Guzzo “As evidências de incesto entre STF e TSE para fabricar provas” —, por isso focarei meu olhar na artimanha mesmo da mentira, ou da aclimatização do ódio político aos meios jurídicos espúrios a fim de caçar desavenças, além das óbvias consequências imediatas dessas revelações.
Moraes se encontra na parede, como até então não esteve, e assim se encontra, pois, aquilo que era desconfiança para alguns, certezas ou teoria da conspiração para outros, materializou-se por meio da reportagem da Folha. Verificando-se a veracidade das mensagens — que não foram contestadas nem mesmo pelos alvos das denúncias ‒, pois bem, podemos dizer então que, de fato, há um conluio político-jurídico para extirpar apoiadores de Bolsonaro e demais conservadores, conluio esse que passa pela fabricação ou inflação de provas com o intuito de literalmente prender opositores. Ficou claro também que o sistema, em 2022, havia decidido que Bolsonaro não poderia existir mais politicamente, e que sufocar, não apenas ele, mas também aqueles que o apoiavam, ou faziam oposição ao governo atual e ao STF, era ‒ e ainda é ‒ uma agenda geral do sistema.
Os tons dos argumentos ontem utilizados no STF, e também pelo governo Lula, evidenciam a extensão do estrago da matéria e o desespero íntimo gerado pela denúncia, afinal, é sempre difícil explicar o inexplicável. As defesas dadas a Moraes por seus colegas giraram em torno de afirmações sobre sua suposta conduta ilibada frente ao TSE, a um heroísmo em escudar a democracia brasileira, nada que explique ou minore a gravidade do que foi exposto. Nada se falou a respeito da conduta, essa sim colocada sob os holofotes, de forjar situações de crimes para acusar opositores do governo atual sem nenhuma espontaneidade, ou seja, sem nenhuma provocação direta vinda da PGR. Há muito venho dizendo que a democracia brasileira é uma espécie de grávida de Taubaté, todos veem, se espantam com sua deformidade e até a defendem com certo furor, mas, no fundo, ela não passa de um embuste risível. “Devido processo legal” no Brasil, por sua vez, é igual fidelidade de meretriz, acredita quem quer… Não se espantem com meus termos, afinal, como vocês chamariam um judiciário que incita uma investigação dando diretrizes do que nela deve ser encontrada, que conduz relatórios oficiais para se achegarem às suas expectativas, e pior, que depois julga o mérito “imparcialmente” com cuecas sujas, dando um veredito sobre aquilo que ele mesmo induziu a investigar e conduziu a parecer?
A falha de Moraes, no entanto, num nível mais abstrato, é a falha típica dos Homens, quando não encontramos o que buscamos, não raro tentamos emular algo parecido para que se encaixe no vácuo deixado pelo que era esperado. É assim que agimos quando as virtudes falham na política, no casamento, na vida de estudos, no regime e até mesmo nas práticas de asseamento pessoal ‒ vocês nunca se lavaram na pia e saíram com cabelo molhado para parecer que tomaram banho… só eu? Na falta de provas para punir a revista conservadora, criemos então um motivo, oras. Não achando ligações reais que incriminem uma desavença política, por que não botar a digital de alguém na “arma”? Como digno amante da literatura policial, isso é mais velho que andar para frente.
Agora, no entanto, o rei está nu. O que antes era visto sob o véu da desconfiança, está hoje em praça pública sem nenhum tapume de vergonhas. A falta de Moraes coloca em dúvida, por conexão simples, todo o processo das Fake News que ele carrega no sovaco com mais amor que um protestante leva a Bíblia no seu. A ilegibilidade de Bolsonaro então… apenas pensem. Há tempos jornalistas investigam lacunas e abusos nesses processos conduzidos monocraticamente por Moraes e em outros por ele encabeçados, pessoas que estão sendo presas a torto e a direito, inicialmente, sem acusação formal e depois sob acusações tão generalistas que caem numa espécie de requentado soviético. Tudo isso agora começa a saltar aos olhos do país para além da ala conservadora-liberal. O que mais Moraes, e seus assessores, pediu para forjar? Essa é a pergunta cabal que todos, mais ou menos politizados, se fazem hoje. Ou será que “usar a criatividade” para incriminar tem alguma interpretação diversa? Aqui, nem mesmo o identitarismo ajuda, não há um “transculpado” nessa história, é claro que Moraes está de cabeça nesse imbróglio, ele não é um mero observador ou coitado. Assim como agiu Adão, confrontado por Deus por suas culpas, Moraes agora tenta culpar o jornalismo, os opositores, quiçá o próprio Deus, por tudo isso. No entanto, o que está dito, está dito. A perseguição a Bolsonaro, às mídias conservadoras e aos opositores mostra-nos que existe sim um conluio oficial dos poderosos contra quem pensa diferente deles. “Moraesgate” é muito mais que um meme, é um fato. O uso dos meios de Estado para perseguir opositores está no cerne vital de todas as ditaduras, e não é diferente aqui. Novamente afirmo, o Brasil não é uma democracia, e isso hoje brilha mais que uma calvície pálida sob o sol do meio dia.