(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de janeiro de 2025)
Que tal se contentar com os meros números e realidades, modestamente, para lidar com toda essa ansiedade em torno do que vai acontecer no Brasil agora que Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos? Talvez isso seja mais útil, se você pretende realmente ficar sabendo alguma coisa prática a respeito, do que entrar no território não mapeado das grandes placas tectônicas que movem a geopolítica universal.
O ponto de partida poderia ser a constatação de que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Brasil é Brasil, claro, mas Estados Unidos também é Estados Unidos. Não dá, aí, para achar que a conversa é de “potência para potência”, porque não é — da mesma forma que o Real Madrid não joga na mesma divisão da Portuguesa Santista. Ninguém resumiu isso tão bem como o próprio Trump, ao dar a sua opinião sobre o assunto.
As relações entre os Estados Unidos e o Brasil vão muito bem, disse ele, mas é bom lembrar que o Brasil precisa mais dos Estados Unidos do que os Estados Unidos precisam do Brasil. É isso mesmo, exatamente isso, e não se vai nem até a esquina achando que nós somos a última bolacha do pacote. Só para simplificar um pouco: bolacha, mesmo, são os próprios americanos, que têm um PIB de 28 trilhões de dólares, 10 trilhões (isso mesmo, tri) acima do da China, ou mais de um quarto de tudo o que se produz neste mundo.
Se a “mudança do clima”, por exemplo, fizer o Brasil sumir um dia do globo terrestre, os Estados Unidos não vão sentir mudança nenhuma no seu dia a dia. Exportamos 40 bilhões de dólares por ano para lá, mas é tudo matéria-prima, como um país qualquer da África, ou produtos do agro — este mesmo que Lula já chamou de fascista. Em compensação, o Brasil depende dos Estados Unidos até para mandar um zap pelo celular.
O Brasil seria um país remediado, talvez, se fosse apenas um anão diplomático — pior que isso, é um anão tecnológico, e anão tecnológico, hoje em dia, está vendido, embalado e pronto para entrega. Não há nada aqui, em termos de economia contemporânea, que alguém no mundo queira comprar. Comprar o que? Turbinas para avião? Aparelhos de tomografia? Inteligência artificial? Nosso sistema de produção é um dos menos competitivos do mundo.
Uma boa bigtech americana, sozinha, tem valor de mercado maior que todo o PIB do Brasil. De todas as importações dos Estados Unidos, só 1% vem do Brasil — e 12% das exportações brasileiras vão para lá. Somos uma desgraça mundial em educação pública de baixo nível, homicídios, roubos, corrupção, venda de sentenças por juízes que ganham os maiores salários do mundo e por aí vai. Quem precisa mais de quem?