No imenso livro da história da Terra, cada capítulo tem seu próprio enredo. O Triássico trouxe os dinossauros, o Paleogeno testemunhou os mamíferos e o Pleistoceno abraçou eras glaciais. Agora, há quem diga que estamos vivendo o período Antropoceno: a era moldada pela humanidade. Isso, no entanto, ainda levanta dúvidas entre a comunidade científica.
Após quase 15 anos de debates acalorados, um comitê de especialistas rejeitou, por maioria considerável, a proposta de declarar o início do Antropoceno. Segundo a linha do tempo geológica atual, estamos no Holoceno desde há 11.700 anos, marcando o recuo das grandes geleiras. Adotar o Antropoceno significaria reconhecer que as mudanças geológicas recentes, causadas pela humanidade, são profundas o suficiente para encerrar o Holoceno.
Isso teria um impacto significativo, moldando a linguagem usada em livros didáticos, pesquisas e museus em todo o mundo. A mudança também influenciaria a compreensão científica do presente, que ainda está em evolução, por gerações e talvez milênios.
Marco inicial do Antropoceno ainda é incerto
No entanto, a disputa não se limita à relevância do Antropoceno, mas também ao seu início preciso. Segundo uma definição anterior, o Antropoceno teve início no meio do século 20, com os testes de bombas nucleares que espalharam radioatividade pelo mundo. Membros do comitê, no entanto, consideraram essa definição muito restrita, negligenciando eventos cruciais como o início da agricultura, a Revolução Industrial e a colonização das Américas e Austrália.
“O impacto humano vai muito mais fundo no tempo geológico”, afirma Mike Walker, cientista da Terra e professor emérito da Universidade do País de Gales Trinity Saint David. Em entrevista ao jornal The New York Times, ele explica que ignorar eventos históricos importantes seria subestimar o verdadeiro impacto humano no planeta.
Após a votação do comitê, desfavorável à proposta do Antropoceno (12 contra 4, com duas abstenções), ainda não está claro se os resultados são conclusivos ou sujeitos a contestação. O presidente do comitê, Jan A. Zalasiewicz, apoiou a canonização do Antropoceno, mas mencionou “questões processuais” que podem ser consideradas.
Quem determina os capítulos da história da Terra?
A determinação da separação por capítulos da história do nosso planeta é definida pela União Internacional de Ciências Geológicas. A organização utiliza critérios rigorosos para decidir quando cada capítulo começou e quais características definiram esse início. O objetivo é manter padrões globais comuns para expressar a história do planeta.
Os geocientistas reconhecem que nossa era destaca-se na história, marcada por resíduos de testes nucleares, plásticos, cinzas industriais, concreto e poluição metálica. No entanto, definir o Antropoceno de maneira que satisfaça geólogos, e não apenas antropólogos e artistas, é um desafio.
A ideia do Antropoceno surgiu em 2009, quando um grupo de trabalho investigou se as mudanças recentes mereciam um lugar na linha do tempo geológica. Após deliberações, o grupo decidiu que sim, propondo 1950 como o início, destacando o boom pós-guerra de crescimento econômico, globalização, urbanização e uso de energia.
A proposta passou pela primeira comissão, mas alguns membros questionaram se uma única data de início poderia representar a complexidade da destruição humana ao planeta. Para eles, o Antropoceno seria melhor descrito como um “evento” em vez de uma “época”, permitindo uma abordagem mais flexível.
Mesmo com a rejeição da proposta, a discussão sobre o Antropoceno ainda pode permanecer. O tempo continuará avançando, as evidências dos impactos da civilização na Terra vão se acumulando nas rochas e o novo período ainda pode ser adicionado à linha do tempo em algum momento posterior.
Resumidamente, a decisão sobre o Antropoceno não é apenas uma questão técnica para geólogos, mas uma narrativa complexa que ecoará no registro geológico para as gerações futuras.