Há exatamente dois anos, o rombo financeiro na Americanas veio à tona. Os esforços para esclarecer o que havia acontecido com a empresa começaram logo depois. Um dos primeiros documentos elaborados no início das investigações sobre o suposto uso indevido de informações privilegiadas listava 89 nomes.
Essas pessoas foram classificadas como “investidores que realizaram operações atípicas”. A lista incluía os principais acionistas da Americanas, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann, além de Sérgio Rial, que era presidente da empresa na época, e Eduardo Saggioro, então presidente do conselho de administração.
Todos negam ter feito esse tipo de movimentação.
A lista foi gerada pela BSM, entidade autorreguladora responsável por fiscalizar os mercados administrados pela B3 e relatar ao regulador qualquer operação com indícios de irregularidades. O documento com os 89 nomes foi encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 17 de janeiro de 2023, seis dias depois do anúncio das inconsistências contábeis que levaram a Americanas à recuperação judicial.
Posteriormente, a BSM elaborou uma nova lista, com 18 pessoas, chamada de Relatório Preliminar de Seleção de Análise. O documento manteve nomes como o dos diretores estatutários Miguel Gutierrez, Anna Saicali, Timotheo Barros e Marcio Meirelles.
Esses executivos passaram a ser investigados em um inquérito administrativo conduzido pela CVM e, no ano seguinte, foram formalmente acusados pelo órgão de suposto uso de informações privilegiadas. Além disso, há um inquérito policial conduzido pela Polícia Federal sobre o caso.
Executiva da Americanas questionou redução da lista
A redução da lista foi questionada meses atrás, quando a defesa de Anna Saicali recorreu à Justiça para pedir que a BSM fornecesse os relatórios de análise das operações realizadas por todas as pessoas da primeira lista, especialmente 20 delas, muitas ligadas aos conselhos fiscal e administrativo da empresa, e não apenas das 18 pessoas selecionadas.
Em resposta, o procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, José Maria de Castro Panoeiro, se manifestou contra a abertura dos dados. Ele alegou que as outras pessoas da lista não tinham conhecimento da manipulação dos balanços.
“O pressuposto necessário ao reconhecimento inicial do delito de uso de informação privilegiada era o conhecimento concreto acerca das fraudes e do rombo financeiro, não simplesmente a posição ocupada dentro da empresa”, escreveu Panoeiro.
A defesa de Anna argumentou que, àquela altura do caso, poucos dias depois da divulgação do fato relevante das inconsistências contábeis, não havia um inquérito policial instaurado, ou seja, não havia a indicação de um critério objetivo e fundamentado para selecionar os nomes da lista mais restrita.
“Já no Relatório Preliminar de Análise que pinça 18 executivos da Americanas”, disse ainda a defesa de Anna Saicali, “a BSM informa que direcionou a análise com base nas operações ‘que mais se destacam’, segundo critérios da própria BSM não esclarecidos concretamente e obviamente sem qualquer relação com a presente investigação, que nem havia sido instaurada naquele momento”.
O pedido da executiva foi indeferido pelo juiz Márcio Muniz Carvalho, da Décima Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. A justificativa foi de que a solicitação “não apenas extrapola o exercício do direito de defesa”, uma vez a avaliação competiria exclusivamente às autoridades encarregadas da persecução penal, “mas também carece de interesse processual”.
Empresa de Lemann e Sicupira classifica acusações como “infundadas”
A LTS, empresa que reúne os investimentos dos acionistas Lemann e Sicupira, emitiu uma nota em nome “dos conselheiros da Americanas” na qual afirma que a lista com 89 nomes era resultado de levantamentos preliminares. A empresa diz que algumas pessoas não eram acionistas da Americanas e outras sequer haviam realizado operações com ações da varejista.
“Os conselheiros reiteram que, desde o fato relevante de 11 de janeiro de 2023, têm sido alvos frequentes de acusações infundadas”, disse a LTS. “Além de difamá-los, essas práticas desviam a atenção daqueles que as investigações de autoridades competentes têm apontado como responsáveis pela fraude da qual a companhia e seus acionistas foram vítimas.”
A assessoria de Sérgio Rial declarou que ele não fez operações com ações da Americanas entre agosto de 2022 e janeiro de 2023. “Seu nome apareceu em lista prévia, sendo excluído ao final das diligências, pois não houve efetivamente sequer movimentação, muito menos atípica, feita por ele”, diz a nota.
À Folha, a BSM não confirmou nem negou possíveis erros na lista, mas afirmou que os critérios para considerar uma operação como atípica envolvem alterações no padrão dos negócios e não indicam necessariamente irregularidades. “Essa apuração e a aplicação de penalidades para investidores, na esfera administrativa, são de competência exclusiva da CVM”, disse a entidade.
A instituição disse ainda ter metodologias avançadas de monitoramento supervisionado de mercados. A BSM explicou que situações atípicas são classificadas em duas categorias: atipicidade transacional, identificada em negócios realizados no mercado, e atipicidade relacional, baseada em dados cadastrais ou relacionais de indivíduos envolvidos no caso.
“Durante a análise, algumas hipóteses podem ser descartadas, o que é comum em processos de supervisão de mercados regulados”, diz a BSM.