Flávio Dino, 55 anos, vai herdar um acervo com 340 processos assim que tomar posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (22).
O conjunto de ações estava com a ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro de 2023. Parte delas também estava com a relatoria de Roberto Barroso, que decidiu não levar consigo os casos quando assumiu a presidência da Corte.
No acervo, há ações sensíveis como a investigação contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, um pedido de apuração do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela conduta durante a pandemia, e a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação (leia mais abaixo sobre esses casos).
No caso do aborto, Rosa Weber – antecessora de Dino – já votou no processo, e sua posição seguirá válida. Como novo relator, Dino poderá votar em eventuais recursos, por exemplo.
Ao todo, Dino terá em seu gabinete 105 recursos de outras instâncias da Justiça e 236 ações apresentadas diretamente ao STF. A maior parte (140) são processos de direito administrativo e direito público.
Assim que for empossado, em cerimônia marcada para 16h desta quinta-feira (22), Dino já estará apto a receber os novos casos que chegarem ao Supremo, pelo sistema de livre distribuição entre os ministros.
Depois da cerimônia na Corte, Dino participará de uma missa de ação de graças pela sua posse, na Catedral Metropolitana de Brasília. A previsão é de que a celebração seja conduzida pelo cardeal arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa.
Ex-ministro da Justiça e atualmente exercendo mandato de senador, Flávio Dino foi indicado ao STF pelo presidente Lula em 27 de novembro. Teve seu nome aprovado pelo Senado em 13 de dezembro.
Recebeu dos senadores 47 votos a favor, 31 contra e 2 abstenções. Para ser aprovado, precisava do apoio de 41 votos.
A investigação sobre o ministro Juscelino Filho, tinha como relator o ministro Roberto Barroso. Em setembro, o magistrado bloqueou cerca de R$ 835 mil do titular da pasta das Comunicações no governo Lula.
A investigação da Polícia Federal (PF) apura supostos desvios de emendas parlamentares destinadas à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Maranhão.
A irmã de Juscelino, a prefeita de Vitorino Freire (MA), Luanna Martins Bringel Rezende, havia sido afastada do cargo por decisão do STF e pôde voltar às funções semanas depois. Ela também é alvo da investigação.
A defesa de Juscelino nega qualquer irregularidade cometida pelo ministro.
Flávio Dino também herdará um processo em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, pediu uma investigação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de apoiadores por incitar a população a adotar comportamentos inadequados para o combate à pandemia.
De acordo com o colegiado, o ex-presidente teria incitado o cometimento do crime de infração de medida sanitária preventiva ao disseminar desinformações sobre medidas como uso de máscaras, lockdown, isolamento social e eficácia da vacina.
O caso do aborto é um dos mais sensíveis que passará à relatoria de Dino. Pesa sobre o tema a ampla rejeição de congressistas à possibilidade de descriminalizar o aborto, mesmo nos termos propostos na ação apresentada pelo Psol (até as 12 semanas de gestação).
O presidente do STF, Roberto Barroso, inclusive costuma dizer que a ação é a única que não tem data prevista para pautar a julgamento, e que a sociedade não está “pronta” para o debate.
Seja como for, fato é que Dino não poderá votar nesse processo. Sua antecessora Rosa Weber, antiga relatora da ação, já apresentou seu voto em setembro, favorável a não se considerar mais crime o aborto até 12 semanas.
A análise foi interrompida a pedido de Barroso. Caso a ação volte a ser julgada e haja alguma definição, Dino poderá votar em eventuais recursos que vierem a ser apresentados.
Outra ação sobre o mesmo tema não teve o voto de Weber – o que libera Dino a votar. É o caso do processo em que o PL pede que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.
São 43 ações que discutem a constitucionalidade de leis, normas ou violações a direitos fundamentais.
Nesse grupo, há ações em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questiona um indulto natalino concedido por Bolsonaro que beneficia condenados por crime com pena menor que cinco anos.
No entender do então PGR Augusto Aras, a medida traria um “descriterioso desencarceramento em massa de condenados por um amplíssimo rol” de crimes.
Há também processos que discutem:
- a existência de assédio judicial contra a imprensa quando há ajuizamento pulverizado de várias ações em diversas partes do país questionando o trabalho de jornalistas;
- a necessidade de o Estado indenizar presos por encarceramento considerado degradante;
- um pedido da Câmara sobre regras para decretar a perda de mandato de congressista em caso de condenação criminal.
Nos três casos, Rosa Weber já deixou seu voto e sua posição fica mantida. No último, sobre a perda de mandato parlamentar, o então relator Barroso extinguiu a ação por entender que o mandato do deputado em discussão já havia terminado. A Câmara recorreu, dizendo que a definição do assunto vai além do caso concreto.
Um recurso de Santa Catarina que chegou ao STF em 2022 e que passará à relatoria de Dino é o que discute se a fuga de blitz policial para encobrir outro delito configura crime.
Os ministros já decidiram que o processo tem repercussão geral, ou seja, o entendimento que for definido pela Corte valerá para todos os casos semelhantes na Justiça.
A discussão envolve saber a garantia constitucional contra a autoincriminação vale para casos em que se descumprir ordem de parada feita pela polícia.
Flávio Dino ocupou o Ministério da Justiça e Segurança Pública desde o início do governo Lula. Deixou o posto em 1º de fevereiro de 2024, passando a função para o ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski.
Natural de São Luís, capital do Maranhão, onde construiu sua carreira, foi juiz federal, governador do Maranhão, deputado federal e, nas eleições de 2022, se elegeu senador pelo PSB.
Dino é advogado e professor de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) desde 1993. Tem mestrado em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e deu aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB), de 2002 a 2006.
Antes de entrar de vez na política, Dino foi juiz federal por 12 anos e assumiu cargos ligados à magistratura, como secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e assessor da presidência do STF.
Em 2006, deixou de lado a carreira jurídica, se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e foi eleito deputado federal. Ele exerceu o mandato na Câmara dos Deputados entre 2007 e 2011. Nesse período, se lançou à prefeitura de São Luís, em 2008, e ao governo do Maranhão, em 2010. Ficou em segundo lugar nos dois pleitos.
Depois do período como deputado, Dino foi presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), entre 2011 e 2014.
Ele conseguiu se eleger como governador do Maranhão em 2014. Foi reeleito em 2018 e ocupou o cargo até abril do ano passado, quando renunciou para poder concorrer às eleições de outubro. Dino venceu a corrida ao Senado no Maranhão por seu novo partido, o PSB, e tem mandato eletivo até 2030.
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