Só quem ainda nutre ilusão a respeito da política brasileira fica espantado por Guilherme Boulos (Psol) aceitar fazer uma live — “sabatina” é o nome picareta para o troço — com Pablo Marçal (PRTB).
Na política não há inimigos, mas adversários que, a depender das circunstâncias, podem fazer alianças efêmeras com objetivos comuns, e isso vale para todas as latitudes.
No Brasil, porém, o que impera mesmo é a falta de caráter e o seu corolário, a falta de decência. Temos, assim, Guilherme Boulos ao lado de quem, no início do mês, apresentou contra ele um falso laudo de internação por consumo excessivo de cocaína.
Não há ineditismo nesse tipo de infâmia. Luiz Carlos Prestes, o líder comunista, dividiu palanque com Getúlio Vargas, que o manteve na prisão por nove anos e entregou a sua mulher grávida, a alemã Olga Benário, aos carrascos da Alemanha nazista. Getúlio Vargas, fascista na alma, se tornaria depois ícone da esquerda brasileira — da qual faz parte Guilherme Boulos.
Tem-se ainda o caso recente de Geraldo Alckmin, homem que construiu a sua carreira na centro direita. Depois de ser protagonista da implosão do PSDB, ele se filiou ao Partido Socialista para tomar o bonde de Lula, a quem chamava de ladrão e ao seu partido de quadrilha — e tornar-se, assim, vice-presidente da República na chapa do chefão petista.
Guilherme Boulos não é exceção, mas tradição. Sem traço de pudor, ele emula agora comportamentos e parte do discurso de quem lhe parecia ser ideologicamente antípoda para tentar seduzir os eleitores de Pablo Marçal no primeiro turno e superar a distância que o separa de Ricardo Nunes neste segundo.
O psolista trocou Lula pelo ex-coach na reta final da campanha paulista. Trocou de populismo. É outro sinal eloquente de que o chefão petista não é mais suficiente. Lula sai enfraquecido da eleição municipal em São Paulo, assim como Jair Bolsonaro, que perdeu para Pablo Marçal e para o governador Tarcísio de Freitas, que carregou Ricardo Nunes praticamente sozinho.
O que ganharia Pablo Marçal com a mão dada a Guilherme Boulos? Voltar ao palco do qual foi arrancado com a derrota no primeiro turno, testar o nível de adesão do seu eleitorado ao que seu mestre mandar. Manter-se em evidência, com uma aura de legitimidade, é a condição para que continue a faturar, e a faturar cada vez mais, nos vários tipos de negócio que já o levaram a adquirir fortuna e também na abertura de uma frente magnífica.
Não poderia haver negócio mais rentável no Brasil do que a política, especialmente quando se é dono de um partido e se tem direito a centenas de milhões de reais por ano, do Fundo Partidário, dinheirama garantida e praticamente sem controle no gasto. Que o diga o empreendedor Valdemar da Costa Neto. A esta altura, diante da multidão de eleitores otários que lhe reviram os olhinhos esperançosos, Pablo Marçal deve se perguntar: por que não?
É a vigarice eleitoreira rasgando a fantasia da decência e da ideologia. Guilherme Boulos é um vigarista de esquerda e Pablo Marçal, um vigarista de direita. A vigarice os une mais do que a ideologia os separa.