Aristóteles, em sua obra Política, define democracia como uma forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo, ou seja, pela maioria dos cidadãos livres e iguais. Mas reconhece que a democracia pode ser vulnerável à tirania da maioria e à instabilidade política, especialmente quando não há salvaguardas institucionais para proteger os direitos das minorias e garantir a estabilidade do governo.
Dentro da ideia moderna de constitucionalismo, são exatamente os princípios que servem como instrumento institucional para resguardo dos direitos e garantias individuais fundamentais das minorias. Para Ronald Dworkin, os princípios são padrões que devem ser considerados na interpretação das regras e na construção do direito, visando à coerência e integridade do sistema jurídico como um todo.
Mas os juristas alertam que princípios, ainda que tenham força normativa e poder cogente, devem ser aplicados de maneira proporcional à sua incidência no caso concreto, não possuindo caráter absoluto. Daí vem a distinção fundamental entre um princípio, que é relativo, e um axioma.
Os princípios e axiomas são ambos fundamentais para a compreensão de sistemas e ideologias, mas com distinções importantes. Os princípios são diretrizes fundamentais, mas que podem variar de acordo com contextos culturais, sociais e políticos. Já os axiomas são proposições autoevidentes, aceitas como verdadeiras sem necessidade de prova, pois são autojustificáveis, o que significa que não precisam ser comprovados por meio de outras verdades ou argumentos.
Exemplos de axiomas
Por exemplo, o axioma lógico de identidade, que afirma que “uma coisa é igual a si mesma”, é autoevidente, porque sua própria formulação implica sua verdade e qualquer tentativa de sua negação levaria o proponente a cair em contradição lógica. Negar, por exemplo, que uma coisa é igual a si mesma seria dizer que o diferente é igual, o que não faz nenhum sentido.
Muitos autores liberais trabalharam a ideia de buscar verdades econômicas e sociais a partir da dedução de axiomas em outros axiomas. A lógica do método dedutivo é muito simples: se você parte de uma premissa geral e universal verdadeira por autoevidência (axiomas), certamente as conclusões específicas daí derivadas também serão verdadeiras. É um processo de inferência que avança do geral para o particular, utilizando a lógica formal para garantir a validade das conclusões.
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Ludwig von Mises, que foi um economista muito respeitado por suas convicções liberais, retirou toda uma ciência da ação humana a partir do axioma de que “o homem age”. Negar que um homem age seria uma ação, portanto, seria uma contradição lógica. A partir dessa ideia, Mises deduziu toda uma teoria econômica em defesa da liberdade de o homem agir em busca de um estado de maior satisfação.
Dentro da mesma rotina, Hans-Hermann Hoppe utilizou o método dedutivo a partir de axiomas para declarar que o conceito de propriedade privada não é um mero princípio, mas sim um axioma, uma verdade autoevidente. Segundo o filósofo e economista alemão, para que você possa negar a propriedade privada, é necessário que se faça uso da propriedade privada de seu próprio corpo para tal. Portanto, qualquer pessoa que use a propriedade privada do seu corpo para negar o conceito de propriedade privada estaria vivenciando uma contradição lógica.
Finalmente sobre liberdade de expressão e democracia
Agora podemos, finalmente, entender como a liberdade de expressão não é um mero princípio democrático, mas um axioma. Uma verdade autoevidente na democracia.
A liberdade de expressão é um axioma da democracia porque é a partir do exercício pleno da liberdade de expressão que você consegue negar ou restringir o direito à liberdade de expressão. Somente quem tem a liberdade, como ser humano, de se expressar é que pode tentar usurpar o direito de outro ser humano de se expressar livremente, em evidente autocontradição. Somente a partir da liberdade de expressão é que os demais direitos podem ser debatidos, deliberados, decididos, positivados e concretizados em uma democracia.
Esse é o atual estado de coisas no Brasil: por meio de um inquérito político e inconstitucional, a Corte constitucional brasileira, em evidente contradição lógica, usa sua liberdade de expressão para tolher o direito de significativa parcela da população a livremente se expressar, em especial nas redes sociais, onde as manifestações individuais ecoam para quem quiser ouvir. Ao fazer isso, desumaniza a todos os que se lhe opõem, dado que seu direito à liberdade de expressão nasce, antes de tudo, da sua própria natureza humana.
Tudo isso para supostamente defender uma Constituição, de onde deriva seu poder institucional, que só pôde existir porque homens livres puderam deliberar livremente em nome do povo. Até onde o Supremo Tribunal Federal continuará a se expressar contra a liberdade de expressão sem a reação institucional do Senado, órgão legítimo de freio e contrapeso da República, somente o tempo irá dizer.
Enquanto isso, continuaremos a nos expressar até onde nos for permitido, já que, no Brasil da suprema oligarquia, a única coisa realmente auto-evidente é que a verdade aqui não liberta e sim aprisiona.
E mais: “Leis ilegítimas”, por Roberto Motta
Por Bernardo Santoro. Cientista político, advogado, mestre e doutorando em Direito, conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados.