terça-feira, junho 3, 2025
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A autodeterminação dos tiranos – Lucas Berlanza

As decisões judiciais do ministro do STF Alexandre de Moraes, para além de afetarem a liberdade de expressão e manifestação de setores da oposição brasileira, também prejudicaram, em diversas ocasiões, os interesses de cidadãos dos Estados Unidos. Incluem-se entre suas determinações a emissão de mandados de prisão para residentes naquele país, a suspensão de funcionamento de redes sociais mantidas por companhias sediadas por lá (como o X e o Rumble) e ameaças de multas pela veiculação de conteúdos considerados intoleráveis pela autoridade judicial brasileira.

Dias depois de o secretário Marco Rubio afirmar que sanções dos EUA contra Moraes têm grandes chances de se efetivarem, o governo de Donald Trump, na figura do mesmo referido secretário, anunciou oficialmente uma nova política de suspensão de vistos para autoridades estrangeiras que os EUA considerem ter sido “cúmplices de censura” contra norte-americanos. Conforme Rubio, “a liberdade de expressão é essencial ao estilo de vida americano — um direito inato sobre o qual governos estrangeiros não têm autoridade. Estrangeiros que trabalham para minar os direitos dos americanos não deveriam ter o privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que trabalham para minar os direitos dos americanos acabaram”.

Não devemos nos antecipar aos fatos. Nenhum nome de alvo dessa nova política foi anunciado até o momento em que escrevo estas linhas. Mesmo que Moraes seja afetado pela proibição de visitar os EUA, isso também não seria (ainda) a aplicação da famosa lei Magnitsky, que envolveria, além da suspensão de visto, o congelamento de bens do alvo nos EUA e a proibição de qualquer pessoa ou empresa norte-americana de efetuar transações econômicas com o indivíduo atingido, o que poderia incluir, em caso extremo, até o uso de cartões de crédito. Não podemos afirmar que nada disso acontecerá com 100% de certeza.

Entretanto, aqueles que ironizaram, de cabeça erguida, a sugestão de que algo assim seria uma possibilidade real no governo Trump devem, ao menos, se forem intelectualmente honestos, admitir que os gestos recentes de Marco Rubio sinalizam nessa direção. O que precisa ficar claro é que, digam o que quiserem os representantes de nossa elite afetada, os EUA estão em seu direito se decidirem agir. Apela-se para a “autodeterminação dos povos” e a “soberania nacional”, acusando os EUA de violá-las em relação ao Brasil no caso de implementarem tal gênero de pressão, mas os EUA têm exatamente soberania para determinar que tipo de relação terão com autoridades estrangeiras e quem aceitarão receber em seu território. Ninguém está aventando hipóteses alienígenas como o envio de tanques ou uma invasão. São medidas legais e diplomáticas, tomadas contra autoritários de diferentes países.

O que essas vozes empoladas se recusam a enxergar é que essas hipóteses só estão sendo aventadas porque os ministros do STF, entre eles Moraes, estão se comportando de maneira flagrantemente autoritária. Um dos maiores homens públicos do Brasil, Carlos Lacerda, já dizia que o dogma da “autodeterminação dos povos” é constantemente empregado por ditadores e protoditadores para defender, na prática, a “autodeterminação dos tiranos” e a escravização de seus respectivos povos, como se fosse uma obrigação intrínseca aos demais países simplesmente calarem-se diante disso.

Estamos sob o jugo de um regime que abre um inquérito contra um deputado que está em solo estrangeiro em função de seus contatos com autoridades dos EUA, enquanto os apelos de um ministro do STF — nesse caso, Luís Roberto Barroso — por declarações públicas (na prática, pressões) norte-americanas em defesa do sistema eleitoral brasileiro, à época do governo Bolsonaro e às vésperas do processo eleitoral de 2022, não são vistos como representando qualquer problema. O governo Biden e fundações dos EUA interferiram exaustivamente, está provado, no cenário político brasileiro naquela circunstância, atendendo a reivindicações de uma autoridade judiciária e se solidarizando com o presidente Lula pela “tentativa de golpe” de 8 de janeiro de 2023. Reforçou-se, de fora do país, a narrativa totalmente falsa das nossas autoridades de que as instituições brasileiras estiveram sob ameaça naquele momento. Mesmo assim, a estupefação só se dá quando é a oposição dialogando em busca de atitudes contra o autoritarismo.

Eduardo Bolsonaro, segundo certos veículos da imprensa, tem sua condenação dada “como certa” pelos ministros do STF. Que Estado de Direito é esse em que a sentença está dada pela imprensa antes mesmo de haver um julgamento real? Há mesmo condições, nessas circunstâncias, de um julgamento real? Isso só prova que as disfunções institucionais no Brasil são grandes o suficiente para que os EUA se incomodem com um arremedo despudorado de tirania no quinto maior país do mundo, em pleno continente americano, e que, ressalte-se novamente, afeta os interesses dos cidadãos norte-americanos. Não vivemos em uma “ilha” isolada do mundo. Os incomodados que lidem com isso.



Via Revista Oeste

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